sábado, 12 de setembro de 2015

ICH

Lembro nitidamente da minha fascinação ao descobrir pela primeira vez o mutante Noturno. Ou ficar estarrecido com a destruição de uma cidade inteira com mísseis atômicos, deixando apenas dois sobreviventes: Vanth Dreadstar e Syzygy Darlock. Ficava embasbacado com o Esquadrão Atari, Camelot 3000 e Novos Titãs dentro de uma mesma revista.

Hoje eu tenho uma relação de amor e ódio com as editoras mainstream de quadrinhos. Culpa de decisões editoriais erradas, altos e baixos criativos, redesigns mercenários e desgaste das histórias. Pode ser tudo isso e algo mais, talvez mereça uma análise mais aprofundada. 

Mas eu quero focar o outro ângulo, quando eu pego uma revista sem nenhuma expectativa e, embora eu não seja transportado para o passado (remoto) que eu lia Superaventuras Marvel ou Superamigos em pé na banca, eu tenho a mesma sensação de fascinação com a arte e a história. 

É isso que ainda faz eu ler e guardar livros e revistas em papel, difícil de armazenar, conservar e transportar, mas tão fácil de se envolver e se encantar como uma criança de novo. E quando essa sensação retorna, tenho o dever de compartilhar com o maior número de pessoas, espalhar a palavra.

ICH, o novo trabalho da dupla argentina  Luciano Saracino (autor de Jim Morrison: o Rei Lagarto e A Agenda dos Monstros) e a arte totalmente pintada de Ariel Olivetti (Cable, Conan, Namor) é o tipo de material que recupera minha paixão por quadrinhos. Acredito que grande parte disso seja por causa da motivação da dupla em trabalhar juntos (Saracino e Olivetti são grandes amigos) e da dedicação em trabalhar com um projeto pessoal.

A história de ICH (significa Máscara no dialeto dos povos Abya Yala o NOSSO continente Sul Americano) é ambientado no século 16, na época dos conquistadores espanhóis colonizando a América do Sul. Esse momento histórico, com duas culturas totalmente diferentes, permite aos autores brincarem com heroísmo, magia, desconhecido, glória e derrota. Segundo Olivetti, ICH dá a possibilidade de começar uma história épica de super-heróis aqui na América do Sul.


Sem síndrome de Vira-Lata, sem Street Fighter com Saci e Mula sem Cabeça. Uma trama muito bacana e envolvente que dá início a uma grande história - já estão previstas pelo menos mais duas sequencias.

Mais uma vez, assim como em Lazarus e Fatale, os "extras" roubam a cena. Dessa vez, alguns skecths das máscaras/criaturas (com seus nomes originais) e uma descrição mezzo realista mezzo fantástico dos bastidores da história dão um gostinho todo especial para a graphic novel, um sabor de Realismo Fantástico que é 100% sul-americano.

Ich tem formato brochura 17 x 24 cm, capa cartão colorida e miolo colorido, 96 páginas e preço de R$ 35,00 e foi lançado essa semana na Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro. A Argentina é o país homenageado desta edição.

Para mais informações sobre o lançamento, acesse o site da Jambô Editora.

Vale a pena visitar a bem humorada fanpage de ICH.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Queria Tirar do Plástico #3: A Estante dos Sonhos

Por trás dessa estante dos sonhos, existe uma beleza quase que, digamos, doentia.
 Captou a pegadinha? Não? Pois bem, não achas estranho existir coleções omnibus inteiras padronizadas, que compilam na íntegra, por exemplo, a Mulher-Maravilha de George Pérez, o Aquaman de Peter David, os Novos Titãs de Marv Wolfman ou de Dan Jurgens, o Superman Pós-Crise, o Azrael de Dennis O'Neil, a trajetória completa de Wally "Flash" West, o Hawkworld de Timothy Truman, o Esquadrão Suicida de John Ostrander ou o subestimado Xeque-Mate de Greg Rucka? 

É isso mesmo que estás pensando: elas não existem. Bom, pelo menos, não no sentido formal da coisa, isto é, com tiragens limitadas em livrarias e comic shops. Os HCs em questão fazem parte do acervo de Kirk Kiefer, a mente por trás do Comic Binding Pro, um site que se propõe a transformar acervos dos "comics" norte-americanos em compilações robustas com layouts similares as apetitosas versões Omnibus da DC Comics.
 O processo de desconstrução e construção deles me lembra remotamente algumas sandices de outrora, só que num nível tão profissional que parece até mesmo ofuscar a própria editoração oficial. Conta a favor do Binding Pro o fato de que os publishers da indústria lá levam realmente a sério questões básicas como o formato e o papel utilizados, de modo que, ao longo da vida dos periódicos, percebe-se que existe uma espécie de uniformização extraoficial de toda a cadeia produtiva de quadrinhos. 

Desse modo, um título dos anos 1980 não destoa quando colocado lado a lado com um dos anos 2000. Uma realidade, por sinal, bastante distante da que se vê no Brasil entre formatinhos pisa britescos ou formatos americanos para todos os gostos e bolsos.
  O mind blowing é tamanho que sugiro que tome um Diazepam antes voltar a olhar para a própria estante. 

P.S. Esses HCs acima são apenas a ponta do iceberg¹. Siga agora por sua conta e risco.

¹ Ver o Arqueiro Verde de Mike Grell desse jeito é como uma flechada no coração. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O Marciano Simpático

De algum modo, terei que seguir adiante sem a leitura de minhas páginas diárias de Perdido em Marte (The Martian, 2014). E que conste em ata: assumo, sob pena de ser atingido por uma saraivada de pedras marcianas, que torci contra o sucesso da campanha de Mark Watney. Ah, se torci...

***

A narrativa imaginária de Andy Weir tem seu lugar num futuro aparentemente não muito distante no qual a terceira missão tripulada ao Planeta Vermelho, a Ares 3, já é vista pela mídia e a opinião pública de modo tão corriqueira quanto sem o glamour das Apollos que sucederam àquela primeira alunagem do Power Trio original. Tudo isso muda quando uma violenta tempestade intercepta a equipe de solo comandada por Melissa Lewis, e acaba abortando em Sol 6 (Dia 6) uma missão que originalmente estaria planejada para durar até Sol 31

O problema, contudo, foi que um dos astronautas da Ares 3 foi tragado pela tormenta, trespassado por uma antena de rádio e, segundo o levantamento de seus dados biológicos pelo módulo de fuga (VAM), seu traje orbital (AEV) foi severamente comprometido. Sem ter o que fazer, seus companheiros, Lewis, Martinez, Johansen, Beck e Vogel, se lançam no espaço a caminho da acoplagem na espaçonave Hermes para regressar a Terra. 

A conclusão deles não era outra senão: "Mark Watney estava morto".

"Será que estava mesmo?"
"E agora?"
"Já disse o quanto amo mapas? Não? Que fique registrado: amo mapas, e a saga de Watney começa logo com um."
Mark Watney, até então o décimo sétimo astronauta a caminhar por Marte, era um engenheiro mecânico e botânico de formação, mas um "McGyver" de vocação. Aos meus e os seus olhos, o status quo supra o levará, inexoravelmente, ao destino que lhe foi negado ao sobreviver a aludida intempérie, contudo, estamos diante de um personagem espirituoso, que faz troça de sua própria situação e não se prostra frente aos problemas que se apresentam a cada Sol

Vou mais além, o texto de Andy Weir é contagiante, e mesmo imerso na armadilha definitiva, esse episódio de "Homem Vs. Natureza Marciana" assume contornos, por que não, de autoajuda, transmitindo uma mensagem de superação bastante positiva ao seu leitor.

Você pode não ter se dado conta disso, mas "batatas marcianas" estão na última moda.
Por outro lado, é surpreendente a engenhosidade do escritor, que pinta um inusitado quadro de verossimilhança científica ao lastrear os elementos sci-fi do livro com conhecimentos reais de botânica, física, engenharia, programação e química. Quer dizer, na ótica Weiriana, não basta simplesmente descrever uma sequência em que Watney, por exemplo, está tentando estender o seu suprimento de água para poder viabilizar uma plantação de batatas. Não, isso seria razoavelmente fácil. Ao narrar a cena em questão, o autor vai ao encontro da ciência, em meio a reações fisico-químicas, cálculos, projeções, que passam a interagir como ingredientes perfeitos de suspense nos capítulos que se seguem.

A Manobra Rich Purnell.
 Paralelo a jornada solitária daquele "Marciano", agravada momentaneamente pela incomunicabilidade¹ com a Terra e os amigos na Hermes, temos geeks da Nasa como Mindy Park e Rich Purnell que, geridos por Venkat Kapoor, Mitch Henderson e o burocrata Teddy Sanders, descobrem que Watney está vivo e passam a trabalhar em alternativas de como restabelecer a comunicação para que assim seja possível lhe transmitir instruções de como adaptar certos gadjets, alertá-lo sobre as condições climáticas de Marte e, sobretudo, traçar um plano de resgate surrealmente otimista que só poderia se concretizar daqui há quatro anos pela Missão Ares 4

¹ Lembre-se, Watney foi trespassado por uma antena de rádio! 


Se você não esteve em Marte nos últimos meses, o livro de Andy Weir está às vias de estrear sua versão fílmica - tá pertinho, 01 de outubro! - por Ridley Scott e Drew Goddard, tendo como Matt Damon a honra de viver o simpático Mark Watney. Pelas prévias até o momento apresentadas, tudo indica que o live-action será bastante fiel ao original, e conta com um elenco de reputação à altura dos coadjuvantes.
 Se o filme der errado, é só culpa deles, pois a prosa - se me permitem o trocadilho - é coisa de outro mundo. 

P.S. No começo do texto, lembra que disse que torci contra o sucesso da campanha de Watney? Pois bem, é impossível de fazê-lo quando, na realidade, carregas o desejo de que a leitura de seus diários de bordo nunca cheguem ao fim. Mas é isso que sempre ocorre nos melhores livros

Piada Interna: "Foda-se os anos 1970 e sua maldita Disco Music!".