sábado, 16 de janeiro de 2016

No More Mr. Nice Guy¹

Aconteceu com Miller/Nocenti ou Bendis/Brubaker, agora o mesmo está ocorrendo com Waid/Soule. Me refiro ao temor que sempre precede a sazonal alternância de equipes criativas no título do Demolidor; um sentimento, convenhamos, deveras razoável. Afinal, foram-se alguns bons anos dentro da mente de um autor bem recepcionado por crítica/público, e de repente, o ciclo é interrompido com a chegada de um forasteiro. Quem nunca temeu o novo, é porque certamente não o era. Ou como Montaigne já disse: "Eu nesta hora e eu daqui a pouco somos dois". 

Estrela ascendente nos quadrinhos de super-heróis, em três anos de produção bastante fecunda, Charles Soule construiu uma bibliografia respeitável com colaborações elogiadas e pra lá de versáteis no Monstro do Pântano, Mulher-Hulk, Inumanos, A Morte de Wolverine, Guerras Secretas: Guerra Civil e, até mesmo, com Lando Calrissian no universo de Star Wars. Posto isso, nada mais reconfortante que receber o anúncio de que o mesmo seria o novo roteirista do Demolidor, ao lado do confiável Ron Garney, artista veterano que já emprestou seu traço a Mark Waid em Capitão América, Kurt Busiek na LJA ou Jason Aaron em Wolverine.

Logo, com um time tão capaz, não era de se imaginar que a deixa de Waid fosse tão desafiadora quanto as transições ora citadas, na verdade, sem a separação Demolidor/Murdock advinda da admissão pública em um tribunal de San Francisco, e um desfecho deveras emocionante, onde se decompôs em nível molecular a relação do personagem com o seu melhor amigo/pior inimigo, todo o terreno parecia preparado para quem porventura viesse a assumir a bengala do Homem Sem Medo.

It's magic, we don't need to explain it (?!)
Ledo engano, em apenas vinte páginas, Soule deu marcha a ré no status quo anterior e restabeleceu - só Deus sabe como - o sigilo da identidade secreta do Demolidor, sugerindo uma malfadada solução "mágica" nos moldes das de Wally West/Hal "Espectro" Jordan ou Peter Parker/Mephisto. Agora o único conhecedor da vida dupla de Matt é Foggy, contudo, diferentemente do clima espirituoso de bromance instalado na Era Waid, o Senhor Nelson aqui volta a usar seu "dedo julgador", que, por sinal, já era insuportável mesmo nos tempos de Bendis. E, claro, Matt Murdock uma vez mais regressa a sua Cozinha do Inferno nova-iorquina, mas dessa vez na condição de Promotor Público e mentor de "Blindspot", um aprendiz de vigilante envolto de mistérios.
 Também não me agradou o estilo utilizado por Garney para compor suas páginas, estilizado demais, num padrão bem próximo do que Frank Miller praticava em Sin City, inclusive limitando sua paleta a variação de quatro cores: preto, branco, azul e vermelho. Quer dizer, tudo nesse Demolidor de Charles Soule e Ron Garney parece apontar para uma revista² feita sob medida para o neófito que acabou de conhecer o personagem numa maratona do seriado na Netflix. Algo que casa, suponho, com o mesmo tipo de imposição editorial contemporânea que costuma alinhar os quadrinhos com suas versões live-action. O que, devo dizer, com raras exceções, só vem funcionando como um desserviço à mídia original.

Por outro lado, não se pode condenar o título avaliando tão somente o conteúdo dessa edição #1, e Charles Soule, como disse, vem consolidando uma boa reputação dentro da Marvel, o que por si só já confere ao planejamento dele para o personagem o benefício da dúvida. Assim, só nos resta esperar que isso seja suficiente para colocar panos quentes nessa primeira impressão... 

Que como dizem por aí, "é a que fica". 


² Esqueça o que escrevi: "O Demolidor nunca foi um personagem cujas atenções mediante sucessos de público e crítica se revertessem em superexposições do personagem. Quer dizer, mesmo com o reconhecimento advindo de diversas premiações na indústria e um seriado celebrado por fãs e neófitos, o super-herói em questão sempre manteve – e mantém ainda – apenas um título mensal, passando ao largo de todo e qualquer reboot, relanch, revamp ou proposta indecorosa. Matt Murdock deveria fundar uma religião"

P.S. Nos dois últimos anos, concentrei a esmagadora maioria das imagens/tirinhas anexadas aos meus textos no site Post Image, usando e abusando das facilidades (e estabilidade) do mesmo. Bom, o tiro saiu pela culatra e pelo que vi até agora, parece que todo o conteúdo que depositei naquela página foi pelos ares. Mas, dane-se, é para frente que se anda.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Sou Rebelde!


Eu sei, eu sei. Você não está assistindo Star Wars: Rebels, correto? 

Pois bem, lembra-se daqueles chorões nos primeiros trailers de O Despertar da Força? Fui um deles e, até há poucos instantes, julgava que algo assim¹ demoraria a se repetir. 

É, julgava... 

 ¹ Aksoka, desse jeito, você me mata!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

A Voz dos Excluídos

Nos meses que precederam a estreia de Despertar da Força, certamente, tu deves ter tomado ciência ou mesmo participado de alguma maratona de Star Wars. Quem sabe, até chegou a discutir em rodas de amigos uma forma inusitada de rever – ou, vá lá, conhecer – a franquia. Fato é que ninguém, pouco importa se fã ou neófito, conseguiu passar incólume da coqueluche instalada por Rey, Finn, Poe ou Kylo que praticamente anulou qualquer “distância” daquela Galáxia muito, muito distante. Quer dizer, “Luke Skywalker” é agora um tiozão zen-budista que mora aqui ao lado, e vive se metendo em lances nova era, espíritas, etc. 

Star Wars nunca deixou de ser popular, mas se era possível propagar ainda mais sua notoriedade, a Disney o vem fazendo de maneiras elogiáveis e – vamos lá, hora de polemizar! – e mesmo superiores aos ideários de George Lucas. Parece o clássico caso do “filho” que toma às rédeas do negócio de família e acaba realizando algo que não está apenas à altura dos feitos do “pai”, mas também implementa modificações estruturais que serão determinantes para a prosperidade do estabelecimento nos anos vindouros. O problema é que, por mais amistosa que pareça, não tem jeito, essa transição sempre renderá sorrisos amarelos, elogios cinzentos e puxões de orelha desmerecidos

Da última vez que tecemos algumas linhas sobre esse admirável “Novo Universo Expandido”, tratamos dos primeiros arcos das histórias em quadrinhos advindas dessa parceria com a Marvel Comics, que começaram há exatamente um ano. Hoje, gostaria de ir mais afundo nessa expansão conceitual, mas dessa vez a partir do Best Seller que acaba de chegar às estantes do mercado livreiro, Star Wars: Marcas da Guerra, de Chuck Wendig

Cronologicamente, o presente romance tem seu lugar cerca de três meses após a Batalha de Endor (Episódio VI) e vem a ser o primeiro capítulo de uma trilogia chamada “Aftermath” – e não, não recebeu uma tradução por parte da Editora Aleph, que cuida da edição nacional. O foco aqui, contudo, não é no trio Luke, Han¹ e Léia, mas sim nos primeiros momentos da frágil Nova República, tentando recolher os cacos que restaram dos sistemas da Orla Interior ou Exterior, completamente exauridos ou marginalizados em vinte e poucos anos de Império Galáctico. Essa infinidade de alocações, que mescla planetas consagrados com outros inéditos, nunca antes citados na mitologia, por sinal, já desvelam uma ausência de cunho organizacional que facilitaria horrores a leitura, e se repete em todos outros romances da franquia: um mapa estelar da Galáxia muito, muito distante.

¹ Embora Han e Chewbacca protagonizem um conto interlúdio que, muito provavelmente, será desenvolvido na segunda parte da trilogia Aftermath. 

O recurso cartográfico é bem conhecido dos entusiastas da Terra Média, Westeros e, até do nosso bem recente "Marciano Simpático", e serve como bússola para o leitor, mantendo um certo senso de localização naqueles mundos ficcionais. Algo que, portanto, só viria para acrescer a experiência de imersão no livro, não importando em decréscimos na qualidade do texto de Wendig

Ah, e que texto: são cerca de 400 páginas, lidas como um passeio no hiperespaço. O autor em comento cria uma narrativa que racionaliza aspectos da saga, apenas tangenciados nos sete filmes, mas nunca verdadeiramente aprofundados como, por exemplo: dos anéis interiores aos recônditos inexpressivos da galáxia, qual foi a verdadeira influência do jugo de Palpatine? O que seria um Império após a morte de seu Imperador, e quem o controlaria agora? A proposta libertária da Nova República, ainda que benfazeja, teria cacife suficiente para unificar sistemas que testemunharam o surgimento de um déspota a partir do próprio sistema que a Aliança Rebelde está tentando ressuscitar?

As respostas para essas e outras questões surgem quase que de soslaio à medida que somos apresentados aos personagens centrais da trama, quais sejam: 

Wedge Antilles, Norra Wexley, Temmin "Snap" Wexley, Senhor Ossudo, Sinjir Rath Velus, Jas Emari e Rae Sloane.
Wedge Antilles é um velho conhecido dos leitores do Velho Universo Expandido (Dark Horse), com participações sutis na trilogia clássica, e um Ás da Aliança Rebelde, tendo sobrevivido às duas incursões nas Estrelas da Morte. Após a Batalha de Endor, o líder do Esquadrão Rogue decide se ausentar das missões de praxe e se torna um batedor, peregrinando a Orla Exterior em busca de remanescentes do Império. O que ele não contava é que suas "férias" fossem interrompidas justo em Akiva, um planeta que nunca teve qualquer importância estratégica para a Velha República e bem menos para o Imperador. Contudo, seria ali que o Alto Comando do Império faria uma reunião secreta para decidir, entre outras coisas, qual a cadeia de comando após o destino de Palpatine e Vader.

A experiência de se pilotar um Tie Fighter.
Em paralelo, Norra Wexley regressa a Akiva após três anos pilotando Y-Wings para Aliança Rebelde e, nesse meio tempo, tentando em vão rastrear o paradeiro de seu marido, capturado pelo Império sob a acusação de colaborar com a rebelião. O tempo distante de casa ao engajar no esforço de guerra a separou físico e emocionalmente do filho, Temmin², um adolescente de 15 anos que transformou a antiga casa de sua família em uma loja de sucata e vive às turras com um chefão do crime local, sendo protegido por Senhor Ossudo, um droide B-1 modificado, que se torna não apenas um guarda-costas exótico, mas o seu único - e espirituoso - amigo.

² Isso mesmo, Temmin Wexley é o "Snap Wexley" que você viu em O Despertar da Força.

Sinjir Vath Velus é - ou era - um "agente de lealdade", o equivalente a oficial da "corregedoria" dos militares do Império, que vendo a balança pendendo para a Aliança em Endor, abandona sua farda na mata daquela lua para vestir o traje de um rebelde morto em combate. O desertor, contudo, não é lá um mau sujeito; apenas um como tantos outros que foram absorvidos pela máquina, ante a escassez de opções num sistema que fulminava qualquer pensamento individual. 

Jas Emari é uma Zabrak, que decidiu seguir os passos de sua tia Sugi, uma Caçadora de Recompensas nas Guerras Clônicas, conhecida por cumprir contratos que, geralmente, descambavam para causas nobres. E nada mais nobre que fuzilar imperiais, não é? Por outro lado, ao perceber que o seu alvo primário estava prestes a se reunir com a cúpula do Império, sentiu que estava sentada sob uma pilha de créditos da Nova República. Teria, portanto, que tirar o dedo do gatilho e repensar o plano. 

E é a partir desse mote que esses personagens, em algum momento, entrarão em rota de colisão com os interesses da Almirante Rae Sloane, uma "serpente" que visa transformar uma conferência de "cobras criadas" em algo que legitime sua agenda de poder:   

Entrementes, tal como ocorreu com Rey em O Despertar da Força, é interessante notar em Marcas da Guerra o protagonismo feminino assumindo cada vez mais às rédeas na Star Wars Pós-Disney. E isso fica bem evidente na construção de Norra, Jas, Sloane e até em outras histórias como, por exemplo, no Novo Amanhecer de John Jackson Miller, com Hera e Zaluna; na Missão do Contrabandista de Greg Rucka, com Alecia Beck; ou, quem sabe, na vindoura personagem de Felicity Jones em Rogue One

Mas claro, a obra em comento está muito longe de ser algo meramente ativista ou panfletário; não, a missão de Chuck Wendig aqui é deveras importante, e trabalha nas entrelinhas raciocínios que levam o leitor a construir mentalmente os alicerces de certas subtramas do filme de J. J. Abrams, a exemplo do alvorecer da Primeira Ordem como um suposto resultado da desmilitarização da Nova República

O que me leva a uma analogia que esteve gritando comigo durante toda a leitura: substitua a Nova República pelas Doze Colônias de Kobol; e a Primeira Ordem pelos Cylons, e podemos enxergar o "novo" status quo de Star Wars como uma releitura do enredo de Battlestar Galactica, inclusive se refletirmos sobre o também longo interregno em que os seres sintéticos se ocultaram dos humanos: 40 anos.  

Dá o que pensar, hã?!