Aconteceu com Miller/Nocenti ou Bendis/Brubaker, agora o mesmo está ocorrendo com Waid/Soule. Me refiro ao temor que sempre precede a sazonal alternância de equipes criativas no título do Demolidor; um sentimento, convenhamos, deveras razoável. Afinal, foram-se alguns bons anos dentro da mente de um autor bem recepcionado por crítica/público, e de repente, o ciclo é interrompido com a chegada de um forasteiro. Quem nunca temeu o novo, é porque certamente não o era. Ou como Montaigne já disse: "Eu nesta hora e eu daqui a pouco somos dois".
Estrela ascendente nos quadrinhos de super-heróis, em três anos de produção bastante fecunda, Charles Soule construiu uma bibliografia respeitável com colaborações elogiadas e pra lá de versáteis no Monstro do Pântano, Mulher-Hulk, Inumanos, A Morte de Wolverine, Guerras Secretas: Guerra Civil e, até mesmo, com Lando Calrissian no universo de Star Wars. Posto isso, nada mais reconfortante que receber o anúncio de que o mesmo seria o novo roteirista do Demolidor, ao lado do confiável Ron Garney, artista veterano que já emprestou seu traço a Mark Waid em Capitão América, Kurt Busiek na LJA ou Jason Aaron em Wolverine.
Logo, com um time tão capaz, não era de se imaginar que a deixa de Waid fosse tão desafiadora quanto as transições ora citadas, na verdade, sem a separação Demolidor/Murdock advinda da admissão pública em um tribunal de San Francisco, e um desfecho deveras emocionante, onde se decompôs em nível molecular a relação do personagem com o seu melhor amigo/pior inimigo, todo o terreno parecia preparado para quem porventura viesse a assumir a bengala do Homem Sem Medo.
It's magic, we don't need to explain it (?!) |
Também não me agradou o estilo utilizado por Garney para compor suas páginas, estilizado demais, num padrão bem próximo do que Frank Miller praticava em Sin City, inclusive limitando sua paleta a variação de quatro cores: preto, branco, azul e vermelho. Quer dizer, tudo nesse Demolidor de Charles Soule e Ron Garney parece apontar para uma revista² feita sob medida para o neófito que acabou de conhecer o personagem numa maratona do seriado na Netflix. Algo que casa, suponho, com o mesmo tipo de imposição editorial contemporânea que costuma alinhar os quadrinhos com suas versões live-action. O que, devo dizer, com raras exceções, só vem funcionando como um desserviço à mídia original.
Por outro lado, não se pode condenar o título avaliando tão somente o conteúdo dessa edição #1, e Charles Soule, como disse, vem consolidando uma boa reputação dentro da Marvel, o que por si só já confere ao planejamento dele para o personagem o benefício da dúvida. Assim, só nos resta esperar que isso seja suficiente para colocar panos quentes nessa primeira impressão...
Que como dizem por aí, "é a que fica".
² Esqueça o que escrevi: "O Demolidor nunca foi um personagem cujas atenções mediante sucessos de público e crítica se revertessem em superexposições do personagem. Quer dizer, mesmo com o reconhecimento advindo de diversas premiações na indústria e um seriado celebrado por fãs e neófitos, o super-herói em questão sempre manteve – e mantém ainda – apenas um título mensal, passando ao largo de todo e qualquer reboot, relanch, revamp ou proposta indecorosa. Matt Murdock deveria fundar uma religião".
P.S. Nos dois últimos anos, concentrei a esmagadora maioria das imagens/tirinhas anexadas aos meus textos no site Post Image, usando e abusando das facilidades (e estabilidade) do mesmo. Bom, o tiro saiu pela culatra e pelo que vi até agora, parece que todo o conteúdo que depositei naquela página foi pelos ares. Mas, dane-se, é para frente que se anda.