No meio jurídico, a expressão “sanear o processo” denota o afastamento de irregularidades processuais existentes, que impeçam ou dificultem o seu normal andamento ate a prolação da sentença de mérito, com o acolhimento ou a rejeição do pedido do autor. Antes de ingressar na [minha] análise propriamente dita sobre Batman V Superman: A Origem da Justiça, eu me apropriarei desse conceito relativo ao direito para aparar algumas pontas soltas, enfim, “sanear o processo”:
(A) Entendo que odiaste o filme e até o presente momento nada lhe dissuadiu do contrário. Lamento por isso, mas no fundo, no fundo ainda alimento a esperança que da estreia até aqui, esse ódio tenha, pelo menos, se dissipado um pouco. Afinal, tu sabes tão bem quanto eu que, no nível dialógico, a coisa ficou momentaneamente tão feia quanto à rinha político-institucional que até pouco tempo dividia esse país. Portanto, calma lá, escapistas, estamos todos entre amigos, ok?
(B) Logo, parem de atirar pedras em Zack Snyder e nos espectadores que gostaram do filme. Isso é deselegante e só serve para criar trincheiras ideológicas que sabotam qualquer proposta de discussão saudável. Se algo assim é inconcebível para ti, sugiro que clique naquele “X” no canto superior direito e procure o quanto antes um terapeuta.
(C) Não obstante o fato de que Batman V Superman seja uma adaptação live-action, qualquer que seja minha interpretação, ela sempre será embasada no bojo dos quadrinhos. Isto é, não consigo fazer essa separação do que estou testemunhando em tela e as leituras pregressas. Vejo tudo em mosaico, como uma narrativa compartilhada, logo, não espere a imparcialidade de um crítico de cinema usual ou que me exima de trazer para a discussão tópicos alheios às 3hs de vídeo. Sim, eu admito que superinterpreto tudo e não, não tenho qualquer pudor em sacar essa carta da manga e jogar sujo.
(D) Dessa vez, farei diferente. Um amigo próximo me desafiou, formulando uma série de perguntas, que arrisco dizer, dão o tom de cerca de 90% dos queixumes da crítica especializada [ou freestyle] frente à lógica interna da película. Decidi enfrentá-las aqui, de peito aberto, sobretudo agora, com a chegada da edição especial com 30 minutos adicionais, como uma espécie de roteiro na construção do texto a seguir:
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(1º) "Por que razão Luthor odeia Superman?"
Por mais diluídas que estejam na atuação exagerada de Jesse Eisenberg, subentende-se que as motivações de Luthor estão alinhadas com as de sua contraparte nos quadrinhos. Razão pela qual não me fizeram encará-lo com estranheza frente à ausência de uma apresentação mais formal. Isso não quer dizer que esse Luthor ganhou minha chancela, muito pelo contrário. O problema não reside no rejuvenescimento do personagem, tampouco no modus operandi, o problema reside nas limitações de seu intérprete e o fato de mimetizar, em alguns aspectos, os trejeitos do falecido Heath Ledger.
Luthor não é o Coringa, mas foi concebido como um amálgama bisonho do palhaço do crime. O conteúdo de ambos, contudo, há algumas similaridades, quer dizer, mesmo que utilizando de técnicas distintas, Luthor e Coringa são dois enxadristas de primeira grandeza: um, se valendo do Q.I privilegiado; o outro, de uma aparência de caos autocontido. Por outro lado, o liame entre a psicopatia dos dois salta aos olhos, sobretudo quando se examina o vilão sob o holofote de BvS. Luthor se insurge contra esse “Outro” – ou esse tal Superman –, que volta sua face luminosa para os indivíduos e apresenta alguma incompreensível, mas inevitável, exigência. Para ele, sem essa ruptura com o divino, o homem não pode dar início ao seu próprio projeto, e sustentado com esse argumento, põe em marcha um plano que joga tanto com a opinião pública quanto com a capacidade analítica de Batman encarar a verdade dos fatos.
O raciocínio de Luthor é parecido com o do personagem Caim do romance homônimo, de Saramago (2009), no qual esse último não apenas relativiza o fratricídio cometido contra Abel, mas o investe de um arsenal dialógico ilimitado, questionando a lógica das ações e omissões de Deus, sobretudo quanto à opção violenta no curso da narrativa bíblica. Desse modo, Caim [Luthor] de réu confesso, passa a verbalizar seu ponto de vista com o próprio Criador [Superman], chegando ao ponto em que a deidade cristã assume a parcela de culpa que lhe é atribuída.
PS.1. Um Luthor melhor: retire toda a afetação de estilo; mantenha intacta [se assim desejar] a integralidade do plano e substitua Jesse Eisenberg por:
"Dano, Crudup e Cranston: um Luthor melhor [e a granel] em três momentos distintos." |
PS.2. Um curso de ação seria se o tão aludido "Alexander Joseph Luthor", pai do Júnior aqui, voltasse dos mortos [ou seja lá de onde esteve] e desse um corretivo no filho. A medida seria nos moldes de "All Hail the King", isto é, um pedido de desculpas aos fãs.
***
(2º) "Porque Luthor quer que o Superman brigue com o Batman? Por que Luthor criou um monstro que ele não pode controlar para matar o Superman? Por que Luthor não deu um tiro de Kryptonita no Superman? Para que Luthor manipulou Batman para matar o Superman se ele criaria o Apocalipse de toda forma, mesmo antes de saber o resultado da luta? E se Batman matasse o Superman, ou pior, se os dois se matassem, o que ia rolar com o Apocalipse?"
Por mais que se almeje uma lógica interna infalível nos escopos do script, o que seria de qualquer narrativa se o indivíduo não procedesse com a mente aberta na decodificação de algo que, a princípio, soa como estranho ou até mesmo ininteligível? Nessa verve, ao alcançar êxito, a suspensão de descrença implica que a ficção conduz a paradigmas próprios, que se sobrepõem a realidade vivenciada enquanto simulacros de vida no interior dos ambientes mais improváveis. Logo, ao detectar uma fisionomia de verdade em narrativas fantásticas, os sujeitos suspendem seus critérios ou julgamentos acerca da plausibilidade de uma determinada história, concentrando-se na verossimilhança interna do jogo de ilusões proposto pelo autor.
Pessoalmente, acredito que o público contemporâneo, diferente de outros tempos [mais inocentes], tem ido ao cinema com uma sobrecarga de informações, vitimados pela cafetinagem dos atuais trailers, e imbuídos [do que chamo] de “senso pré-crítico” à flor da pele. Quer dizer, as prévias já entregam de bandeja conexões e elementos chave do enredo, que poderiam muito bem funcionar como eventos climáticos, mas se disparados prematuramente, voltam-se contra o feiticeiro [ou diretor].
No caso específico de BvS, IMHO, os três minutos do segundo trailer [acima] foram determinantes, pois, meses antes da estreia, a frágil imprevisibilidade da história foi à lona, mormente em sua reta final quando se revelou em que contexto a Trindade se reuniria pela primeira vez, bem como a presença de Apocalipse e sua conexão com o cadáver de Zod – e, por que não, a própria eventualidade de morte do Superman. Arrisco dizer que se Snyder tivesse assumido na divulgação de BvS uma postura de silêncio de rádio como J. J. Abrams, que escondeu as cartas até o último instante em Star Wars VII: O Despertar da Força, teria se poupado de histerias coletivas gratuitas.
No caso específico de BvS, IMHO, os três minutos do segundo trailer [acima] foram determinantes, pois, meses antes da estreia, a frágil imprevisibilidade da história foi à lona, mormente em sua reta final quando se revelou em que contexto a Trindade se reuniria pela primeira vez, bem como a presença de Apocalipse e sua conexão com o cadáver de Zod – e, por que não, a própria eventualidade de morte do Superman. Arrisco dizer que se Snyder tivesse assumido na divulgação de BvS uma postura de silêncio de rádio como J. J. Abrams, que escondeu as cartas até o último instante em Star Wars VII: O Despertar da Força, teria se poupado de histerias coletivas gratuitas.
Quanto às lacunas levantadas acerca das crateras lógicas [o(s) “e se(s)”] do plano de Luthor, o que se pode dizer em sua defesa? Nada, ora. Lex Luthor é um vilão de histórias em quadrinhos, cujo próprio intelecto e orgulho, não raro, lhe pregam peças, transformando-se em reveses. Assim, seu antagonismo, classicamente, funciona no nível da autossabotagem, soando como se desejasse ser capturado ou responsabilizado pelos maus feitos. No filme, isso fica muito claro para mim na altura em que ele convida Clark e Bruce para o evento em sua residência, já sabendo de antemão quem os dois de fato eram e que as informações contidas em seu banco de dados seriam alvo de devassa do segundo. Bem, claro, como a presença da ilustre Amazona da foto misteriosa de 1918.
Com efeito, Luthor fez o que fez porque podia fazê-lo, talvez por imperativos [a]morais ou até mesmo porque estaria entediado. Ele poderia ter forjado uma bala de Kryptonita? Poderia. Ele forjou? Não. Por quê? Onde estaria a diversão em alvejar [e matar] um semideus se ele poderia, em vez disso, brincar de Deus, manipulando o destino alheio? E quanto à variável Apocalipse? Penso que as intenções [boas ou más] de Luthor cessaram no momento em que a criatura veio à luz; daí quais usos e implicações ela teria se Superman vivesse ou morresse, aí seriam questões a serem enfrentadas por alguém que se importasse com quaisquer cenários de destruição. Luthor, certamente, não se importava com nada disso.
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(3º) "Por que o Superman leva a culpa pelo massacre em Nairomi, se todo mundo lá morreu com tiro e ele não matou ninguém?"
Essa [polêmica] sequência, provavelmente, foi a mais positivamente afetada com a versão estendida. Na exibição original, o agente da CIA que se passava pelo icônico estagiário fotojornalista, “Jimmy Olsen”, tão logo fora apresentado, é eliminado, deixando Lois à mercê dos homens de Anatoli Knyazev [ou KGBesta para os mais íntimos] e General Amajagh. Daí em diante, o Superman entra no jogo e salva Lois, mas antes de atingir o solo, Anatoli coordena uma ação que chacina todos os locais ali, bem como os comandados de Amajagh, implicando o Homem de Aço como complicador de uma situação delicadíssima.
Com a inserção dos adendos, é revelado que “Olsen” tinha na manga uma unidade na retaguarda [Rangers?], prontos para intervir caso as coisas complicassem. Em paralelo, de longe, a ação era observada numa base militar, e ao notar estar fora de controle, autoriza um ataque com drone para eliminar Amajagh [certamente marcado como pessoa de interesse]. Nesse contexto, Lois e todos ali presentes seriam varridos do mapa como danos colaterais aceitáveis, e só não o foram, porque o Superman intercepta o drone, destruindo-o a caminho de Nairomi. Logo, ao frustrar uma missão secreta sancionada pelo Governo americano e, de quebra, cair num ardil fabricado por Luthor para desgastar sua imagem, o Superman passa a ser questionado pela mídia e contestado politicamente [como bode expiatório]. Some-se a esse fato a presença do cartucho deflagrado no caderno de anotações de Lois e a negativa de que o mesmo pertenceria a LexCorp, fornecedora contumaz de material bélico, e se tem os ingredientes básicos de uma conspiração na qual o Homem de Aço sequer tem chance de se defender.
Ao se enveredar pela temática dos bombardeios via voos não tripulados, o roteiro de Chris Terrio e David S. Goyer acaba flertando com uma temática que está na ordem do dia, problematizando, inclusive, a questão do Superman apátrida – por sinal, trazida à tona pelo próprio Goyer em Action Comics #600. Caso deseje se inteirar mais a respeito desse tipo de guerra contemporânea, de viés “impessoal” e escopo cirúrgico, sugiro assistir a esses dois filmes: Morte Limpa (Good Kill, 2014) e Decisão de Risco (Eye in the Sky, 2015).
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(4º) "Por que a Mulher-Maravilha estava em Metropolis? Para resgatar a foto, ok. Mas se ela “abandonou o mundo dos homens”, que diferença faria aquela foto?"
Essa questão, provavelmente, só alcançará alguma resolução no filme solo da Amazona. Arrisco dizer que a resposta deverá girar em torno da inacessibilidade formal e histórica de Themyscira [terra natal de Diana] com o mundo do patriarcado. O mesmo caso, devo dizer, do Aquaman e sua Atlântida.
Aproveitando o ensejo, uma coisa: quem imaginava que uma tábua de passar se tornaria uma Mulher-Maravilha tão, aham, "maravilhosa"?!
Aproveitando o ensejo, uma coisa: quem imaginava que uma tábua de passar se tornaria uma Mulher-Maravilha tão, aham, "maravilhosa"?!
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(5º) "Batman odeia Superman, há pelo menos dois anos. Fica com a ideia fixa de matá-lo, planeja tudo, e na hora H, muda de ideia só porque o nome da mãe dele é igual ao da mãe de Clark? E por que ele parte da ideia de “vou te matar” para “sou seu superamigo” em um minuto? Por causa do nome também? Qual o significado do sonho do Batman, com o sangue e o demônio?"
Retirada das circunstâncias na qual foi enunciada, “Martha” é de fato um chamariz para todo tipo de piada. No contexto do filme, como o próprio título desse texto sugere, o primeiro nome da mãe de Bruce [e, coincidentemente, também vem a ser o da Senhora Kent] funciona como uma verdadeira palavra de segurança [“safeword”], que interrompe o ímpeto de fúria do morcego. Reitero, não sem contexto. Vejamos:
Qual é a força motriz que impele o Batman a travar diuturnamente sua guerra contra o crime? Resposta: a traumática morte dos pais, nunca esquecida e tampouco aplacada com o decurso dos anos. Em BvS, enquanto testemunha ocular dessa tragédia, tal como habitualmente o faz através do noticiário policial, o público vislumbra os fatos de maneira distanciada quase como se o real fosse ficção, mas e a vítima do crime? Será que o indivíduo externo consegue dimensionar a dor do órfão que acabou de perder seus pais, ainda mais com o agravante de motivo torpe e fútil? Pior, será que, sem experimentar algo remotamente parecido, alguém pode equacionar como essa agressão ou experiência psicológica violenta se comportará ao longo da infância, puberdade e a vida adulta do então órfão?
É exatamente a dificuldade de se obter essas respostas que conferem esse fascínio septuagenário a personagem. A dor da criatura [Batman] sobre a ausência de seus criadores [Thomas & Martha] é tamanha e a vingança pela carência que sente é tal, que ajudam a compreender, pela negativa, o que se quer de um pai, assim como quais são as dificuldades no desempenho dessa empreitada. Corso, em A Psicanálise na Terra do Nunca (2011), sustenta que um pai sempre será considerado insuficiente, pois dele espera-se o impossível: certezas, garantias, que tenha a envergadura necessária para aplacar nossas inquietudes e sufocar nossos medos.
É exatamente a dificuldade de se obter essas respostas que conferem esse fascínio septuagenário a personagem. A dor da criatura [Batman] sobre a ausência de seus criadores [Thomas & Martha] é tamanha e a vingança pela carência que sente é tal, que ajudam a compreender, pela negativa, o que se quer de um pai, assim como quais são as dificuldades no desempenho dessa empreitada. Corso, em A Psicanálise na Terra do Nunca (2011), sustenta que um pai sempre será considerado insuficiente, pois dele espera-se o impossível: certezas, garantias, que tenha a envergadura necessária para aplacar nossas inquietudes e sufocar nossos medos.
Supõe-se, assim, que seria creditado a esse pai faltoso o não fornecimento de elementos suficientes para amarrarmos nossa própria subjetividade num todo coerente, no interior do qual navegaríamos em segurança. Logo, o Bruce que se vê em BvS vaga como uma criatura volátil, atormentada por pesadelos vívidos¹ e casas vazias, com a lembrança tátil e visual de ouvir o próprio genitor, prostrado numa poça de sangue, proferindo, em meio a pérolas num bueiro, sua última palavra: “Martha”.
Corta para o entrechoque: ao ouvir Clark murmurar o nome “Martha”, Bruce não está ouvindo a súplica do Superman, mas sim o próprio pai, percebendo que a amada mãe de seu filho se foi para sempre. Assim, quando o Batman parte em busca de Martha Kent, o seu objetivo é remir o seu passado, dando àquela mãe a chance que a sua nunca teve. Esse é o fio da meada. Esse é o gatilho psíquico [a palavra de segurança] que frustra o plano de Luthor, e interrompe um equívoco previsto por Alfred ao longo de toda a película; e esclarecido por Lois, quando o morcego titubeia. Razão pela qual, no caminho para o cativeiro, Bruce revê sua conduta e faz uma mea culpa: “Eu não te mereço, Alfred”.
Agora se o próprio admite que é um “amigo” de Clark, após salvá-la, isso soa como uma saída irônica e não propriamente como uma admissão fraternal. Aí, paciência, né?
¹ Algo que me lembra nossa "Teoria do Demônio Interior".
¹ Algo que me lembra nossa "Teoria do Demônio Interior".
***
(6º) "Quem tem Zod, no começo? O Governo ou Luthor? Se o Governo, como Luthor fez testes para saber que Kryptonita é nocivo em Kryptonianos (mortos)? Se Luthor, porque ele pede ao Governo para ficar com o Zod?"
Aparentemente, é o Governo dos Estados Unidos que possui o cadáver de Zod. No filme, não foi Luthor que realizou os testes, mas, de início, os próprios peritos oficiais. Lex teve acesso a essa informação, provavelmente, por conta do alto acesso que possuía como fornecedor das forças armadas – como visto também no 3º item. Por fim, a tutela de Zod implicava o ingresso na espaçonave [pelas digitais/material genético do defunto], bem como o vasto conteúdo do mainframe kryptoniano.
Na verdade, com os 30 minutos adicionais, a agenda do vilão fica mais clara: (I) desgastar publicamente o Superman; (II) movimentar um duplo jogo de intrigas, plantando informações exageradas ou inverídicas a respeito da atuação tanto de Clark quanto de Bruce; (III) atrair a atenção do morcego quanto ao fragmento de Kryptonita encontrado no Oceano Índico, incitando-o não apenas a roubá-lo [para que lidasse com o Superman], mas também a hackear o banco de dados de sua residência [na caçada ao “Português Branco”]; e, como dito, (IV) aprender sobre a ciência/cultura de Krytpon, para fins de engenharia reversa ou trunfo posterior².
² Acredito que a metamorfose de Zod teve mais a ver com curiosidade científica do que planejamento tático para o último ato. Nesse ponto, repito o disposto no 2º item.
***
Considerações Finais:
(1º) Cinema Vs. Blu-Ray [Ultimate Edition]
Quando fui ao cinema, já havia comentários acerca de uma versão uncut que mais tarde chegaria ao mercado de home video; o que não esperava é que a mesma influísse tanto na narrativa principal. Quer dizer, é bem verdade que a praxe dessas edições é a de trazer consigo sequências não aproveitadas, de efeito placebo no quadro geral. O mesmo não pode ser dito sobre a meia hora extra presente na “Ultimate Edition”, dando a nítida impressão de sabotagem com o núcleo de Metropolis.
Sem dúvida, os mais afetados no corte original foram Clark e Lois, sobretudo nas jornadas individuais de cada um, como jornalistas investigativos. O primeiro, perseguindo a história [fabricada] por trás dos criminosos que eram “marcados” pelo vigilante gothamita; e a segunda, rastreando a origem do projétil deflagrado no seu caderno de anotações. Fechando a conta, o filme ganha peso dramático e abandona o que à primeira vista parecia uma birra pessoal de Clark com o morcego.
(2º) Zack Snyder: Excesso de Estilo ou Excreto de Estilo?
Poucas vezes vi um diretor ser tão execrado quanto Snyder o foi no vácuo da estreia de BvS. Os queixumes foram são tão diversificados que não vale o esforço mencioná-los; vou apenas me posicionar sobre:
"Consegue ver?!" |
Demolidor tem uma paleta de cores tão soturna que o braile vira uma opção para traduzir suas imagens. Na outra via, o discurso é denso e, não raro, até desolador; o que bate com o perfil do protagonista da Cozinha do Inferno. Mas e o Batman? Fico me questionando, o que o público espera ver [ou não ver] numa cidade cujo próprio nome é um trocadilho do termo “gótico”. Daí, destilar ódio e rancor porque não se consegue enxergar todas as linhas do design do Batmóvel?! Faça-me o favor.
Como ressalva, gostaria de frisar que teria apreciado bastante se houvesse uma diferença significativa entre as fotografias de Gotham e Metropolis, para acirrar as discrepâncias de estética e espírito de cada urbe [como tanto se vê nos quadrinhos].
2.2. Outro ponto que tomou de assalto as discussões, ainda na esteira do tópico anterior, é o tom “depressivo” de BvS. Quanto a isso, creio que isso se deva basicamente a perspectiva Milleriana [Cavaleiro das Trevas] e Mooreana [Watchmen] – com viés pessimista em relação ao monomito –, adotada por Snyder em toda sua cinematografia. Nesse quesito, é quase como se 300, Watchmen e Sucker Punch habitassem a mesma vizinhança de BvS; logo, há que se considerar ou, pelo menos, respeitar a escola a qual o diretor está vinculado. Fugir disso é alimentar a ilusão de que Tim Burton, por exemplo, dirigiria um filme do Batman no método [pasteurizado da] Marvel Studios.
Ademais, essa leitura questionadora não é exclusividade de Snyder, a própria série animada da Liga da Justiça, que para muitos é uma unanimidade, chegou a racionalizar a conjuntura do herói cínico. Por outro lado, BvS, sobretudo agora com a aludida Ultimate Edition, soa como um seguimento do Watchmen fílmico, passando, inclusive, a sensação de que o Edward “Comediante” Blake dali poderia a qualquer instante cruzar com o Bruce “Batman” Wayne daqui.
Aí me perguntas: "[...] mas será que essa é mesmo a abordagem correta para os personagens?". Só posso afirmar o óbvio: é uma abordagem. Não é nem a melhor, nem a pior, e está longe de ser definitiva, pois nada nos quadrinhos [ou no cinema] o é. Se correta ou equivocada, aí dependerá da velha história da beleza e o olho de quem vê. Abordagem por abordagem, sou sectário do ponto de vista de Darwyn Cooke [acima].
Mas por mais melancólica que pareça, há algo de reconfortante nessa declaração de Zack Snyder: “Eu sou um sujeito dos quadrinhos e fiz o filme, tomando como base aquela estética tanto quanto consegui. Portanto, não sei mais o que fazer para render 100%. Então, a obra é o que ela é”.
Como assim, "reconfortante"?!
"Reconfortante como um Parademônio [...]" |
"Reconfortante como uma Crise [...]" |
"Reconfortante como o crossfit do Alex Ross" |
4 comentários:
Vai publicar isso em alguma lugar? Pergunta sincera.
1) Eu acho que você deu uma boa relativizada no Luthor: o personagem da primeira pergunta não é o mesmo da segunda no filme. Eu não espero apenas lógica fria em seus atos, concordo com a abordagem das armadilhas que ele mesmo deixa para si em seus planos (tá lá nos gibis e até mesmo nos dois primeiros filmes). Mas tudo isso cai por terra diante da escolha de intepretação do personagem no filme. Dizer que é só uma artimanha é desmerecer o personagem, no meu entendimento.
2) Tem que se jogar pedras no Syder SIM (em quem gostou, não. Nem precisa dizer o motivo) porque o filme é equivocado por conta de suas escolhas (nem vou entrar no "mérito" dos seus maneirismos ou discutir sua filmografia para apontá-lo como um diretor mediano/fraco). Na terceira pergunta você justifica isso, quando ele resolve eliminar na sala de edição o entendimento-chave para a cena do KGBesta. Isso mostra suas escolhas malucas: eu nem vi a versão com 30 minutos a mais, mas tá claro que ajeita o filem como um todo, que mais parece uma sequência de clipes desconexos. Agora essa cena faz sentido pra mim.
3) O "problema Martha", pra mim, está relacionado com a abordagem (ou falta de) do Batema no filme. Não está claro (ate onde lembro) quando ele começou a agir, se tinha parado (como deixava a entender as informações pré-filme) e o principal: qual o escopo. Se pensarmos no Batema do pós-Morrison, por exemplo, dificilmente esse lance de Martha faria algum sentido, forçando bem a barra nas críticas. Mas não sabemos quem é esse Batema, como ele pensa: na maiora das vezes, é (tacanhamente) o violento fim de carreira do Miller, mas em muito momentos ele quer ser o pós-Morrison. Não sou contra a mistura, mas sem um passado "claro" (afinal, ele NÃO é o do Nolan), fica difícil mensurá-lo. De toda forma, da maneira que foi feito, ficou ridículo: é roteirismo puro (e a partir daí, o filme degringola de vez).
4) Discordo fortemente sobre a duração do filme. Não é problema quando o filme é bom (nem precisa ser eletrizante. O Regresso que não me deixe mentir). O problema na duração de BvS tá em algo que eu falava desde o primeiro trailer: pra esse filme ser bom, ele tem que ter umas 7 horas de duração. Era muita informação soltas nos trailers e juntar tudo aquilo de maneira convicente ia demorar muito. Demorou e não ficou convicente. Muito pelo contrário: ficou confuso e sem nexo. No fim das contas, o filme é um trailer enorme de 3 horas.
5) A comparação com Demolidor é desleal, mas já que estão apelando por aí afora, fique a vontade.
6) Considerar uma escola na qual Snyder siga/seja vinculado é um deboche do mais alto nível. Ele não é esse diretor que ele mesmo (e a Warner) considera: nunca foi e nunca será um "visionário".
7) O tom do filme é errado porque não funcionou. Quer fazer um Super dark e um Batema alegrão? Faça! Mas faça bem feito. Não foi o caso.
No final, não ficou claro pra mim se você gostou do filme (apesar de tentar "defendê-lo"). E meus comentários são mais pra provocar mesmo e "ajudar" (ou atrapalhar, tá valendo) o debate.
O amigo me fez ver alguns pontos com outros olhos. Concordo com a arroba ODAOZINHO ainda em muitas coisas mas planejo uma sessão desta versão estendida.
ÓTIMO TEXTO, COMO SEMPRE.
Luwig, essas conjecturas até são herméticas, pero fascinantes e com um notável conhecimento de causa. E seus paralelos pontuais com as HQs são, como sempre, imperdíveis. Até na gringa é raro esbarrar com infos desse naipe sendo desenvolvidas com tanto esmero e paixão. Tu sabe que sou teu fã. Então pra mim seu texto é o melhor fruto de BvS, de longe.
Abração!
Assisti unicamente a versão ultimate. Pra não postergar muito, te digo que poderiam ter economizado mais com os raios do Apocalypse e investido mais em roteirista ou em roteiro, pra não ter que entrar no (de) mérito do diretor. Enfim, bola pra frente. Depois deste trailer da Liga, na SDCC, o tom já é outro, não tão dark/sombrio/"adulto".
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