Pode tocar no chão! Consegue sentir? As marcas de frenagem ainda estão aí, bem quentinhas e, sim, tal como o título do season finale de The Flash, Barry Allen foi “rápido o bastante” (Fast Enough, S01E23). Isto é, ele não apenas foi capaz de sobrepujar o tão perseguido Mach 2 (ou 2.450 km por hora), mas também concretizar o que a esmagadora maioria dos leitores de histórias em quadrinhos deseja: que seu sonho de abolir as diferenças entre o idioma transcrito nas suas revistas seja traduzido, ipsis litteris, em uma adaptação live-action.
Não que Greg Berlanti e Andrew Kreisberg tenham chegado ao fac-símile onanisticamente cobiçado pelos fãs xiitas, que, por sinal, não só seria impraticável, mas também, se é que remotamente a hipótese fosse possível, no mínimo, simular que aquele personagem não foi formatado conforme as necessidades dos discursos, a pontualidade das tendências da indústria cultural e os caprichos legítimos do copyright.
Ao refletir um pouco acerca da mitologia dos velocistas escarlates, o leitor vai chegar a conclusão de que a Família Flash sempre esteve à frente do seu tempo, haja vista que desde os seus primórdios – ou, mais especificamente, a partir da transição Garrick/Allen perpetrada por Gardner Fox, marco zero da Era de Prata dos Quadrinhos – foram estabelecidos noções atreladas ao simbolismo/legado, e que hoje são tão corriqueiras em qualquer franquia/universo. E reside exatamente aí o motivo que me orgulha esse seriado, quer dizer, a “substância” que compõe(m) o(s) Flash(es) esteve lá o tempo inteiro, íntegra e tão inocente quanto à fórmula do original. Mas o que isso quer dizer?
O Flash é o mais próximo que a DC Comics teria de um “Homem-Aranha”, tanto no paralelo entre perfis e tragédias que engatilham suas respectivas veias heroicas quanto na diversidade de vilões emblemáticos que compõem suas “galerias”. Mas ainda diria que o Flash possui uma característica marvete típica do Demolidor, que o tornaria – qual seria a palavra? – um “azarão”? Um super-herói que nunca foi sucesso de público e exatamente por correr pelo “acostamento”, sempre atraiu equipes criativas com liberdades criativas com rédeas mais soltas que as dos medalhões. Poderia citar dinossauros como Robert Kanigher, Cary Bates ou Dennis O'Neil, mas sou filho da geração Mike Baron, William Messner-Loebs, Mark Waid, Mark Millar/Grant Morrison e, claro, Geoff Johns.
Aliás, é bem verdade que todos os citados têm lá suas parcelas de culpa no sucesso do Flash da CW, mas, pessoalmente, vejo a passagem de Geoff Johns – nos roteiros de Wally West – como o grande responsável pela linguagem do programa, sobretudo quando teve êxito em traduzir e sistematizar todo o background estabelecido por seus predecessores ao longo da trajetória do título. Portanto, o Barry Allen de Berlanti/Kreisberg, vivido por Grant Gustin, é nada mais que o Wally West de Baron/Messner-Loebs/Waid/Millar/Morrison/Johns.
Ou, vá lá, é um Flash diferente de qualquer outro, uma vez que ao regressar ao passado, Eobard Thawne criou uma cadeia de eventos distinta da que conhecemos – alterando a origem do velocista escarlate canônico?
Loops temporais à parte, na minha ótica, a força de alguns elementos presentes ao longo dos vinte e três capítulos eclipsaram qualquer vício amoroso, procedural ou filler, quais sejam:
- A formação gradativa e natural da Galeria de Vilões, com destaque para a escolha inspirada de Wentworth Miller para interpretar Len Snart, o Capitão Frio. O tom de escárnio utilizado pelo ator, impostando a voz para ridicularizar e sacanear sucessivas vezes o Flash, foi qualquer coisa de genial e responsável pelo maior fanservice do seriado: a oficialização do acordo em que herói e vilão permitem-se ser peões de um jogo de gato e rato, desde que não haja fatalidades. Mais quadrinho que isso, impossível!
- Cisco Ramon foi uma grata surpresa, abraçando despudoradamente ao clichê do amigo geek e imaginativo, construtor dos principais gadgets. A proximidade quase que paterna de Wells/Thawne com o engenheiro também conferiu uma carga extra de complexidade ao personagem, que por pouco não o “trespassou” naquele pequeno épico chamado “Out of Time” (S01E15). A revelação de seu dom metahumano deve ser seu principal arco dramático no segundo ano e, cá entre nós, que sacada genial: “Você pode ver através das vibrações!”.
A propósito, casting pra lá de espirituoso... Tema de Firefly? Vocês querem me matar?
A propósito, casting pra lá de espirituoso... Tema de Firefly? Vocês querem me matar?
- Ironicamente, ao conferir fragilidade e vigor, otimismo e culpa católica na medida certa, o Barry Allen de Grant Gustin acabou se tornando – quem diria – o vislumbre de um “Peter Parker” perfeito. Algo que, verdade seja dita, só foi possível graças à interação com o seu próprio “Norman Osborn”, isto é, o Dr. Harrison Wells/Eobard Thawne, uma pintura de “herói de sua própria história”. Uma salva de palmas, por favor, para Tom Cavanagh? Sim, sim, ele merece. Não espalha, mas cheguei a torcer pelo “Homem de Amarelo”!
- Mas que diabo foi aquele “eu sou seu pai”? Caiu uma lágrima!
Por fim, em tempos cínicos e heróis cínicos que custam a assumir suas cores, em realidades nas quais o impensável é a primeira alternativa dos personagens, fico feliz em ver que, ao menos na CW, um Barry Allen deixou de lado seu maior desejo para seguir em frente.
7 comentários:
Fico imaginando a cara de tacho dos "jênios" da Panini, que "transformaram" o título do Flash em Arqueiro Verde prematuramente, apenas para pegar carona no sucesso de Arrow. Agora, com Barry colhendo bem mais elogios que Oliver, os capos da matriz italiana devem estar açoitando seus lombos.
Nota mental: assistir Arrow na Netflix e Flash em algum lugar.
Abraço!
Caro Luwig, quem me dera assinar embaixo desse seu texto fabuloso (incluindo as N referências que eu nem imaginava, rs). Essa temporada de estreia realmente superou as expectativas. Superou a série-mãe (Flecha) e conseguiu o que a Marvel Studios anda penando pra realizar: uma série com clima de gibi à moda antiga, divertida, coloridona e bebedora de leite®, sem perder o ângulo do que funciona e do que precisa ser adaptado pra funcionar na ação real.
Muitas coisas ali eu achava que não veria nunca, como a interação dos poderes do Flash com a Física e a ciência de borda. O citado ep "Out of Time" e o posterior foram uma coisa linda de ver. Pensei que a qualquer momento o Barry esbarraria com a Olivia Dunham.
E, confesso, os 2 últimos eps foram algo emocionantes. Despedidas com açúcar na medida, dilemas-monstro, mindblowings diversos (Flash alertando ele mesmo na cena do crime foi de arrepiar), sacrifícios bem dosados. Grant Gustin foi perfeito na composição. A comparação ao Aracnídeo foi merecida - e muito bem sacada, man. Não vou negar que lacrimejei na cena dele conversando a mãe em seus últimos momentos. Foi um Cisco...
O casting da dupla Wentworth Miller/Dominic Purcell foi uma grata surpresa pra quem curtia "Prison Break". Quase como uma saudação aos fãs da finada série.
O sentimento é mútuo em relação ao Flash Reverso. Tom Cavanagh, pra mim, foi o melhor vilão das super-séries DC/Marvel até agora. Tomara que seu destino seja (re)contornado em algum ponto do continuum.
E é nesse ponto que me lembro de abordar os pontos mais, digamos, "flutuantes" em relação ao saldo esmagadoramente positivo:
SPOILERs
A série mixa perigosamente as três teorias popstars: a retrocausalidade (futuro alterando o presente ou o presente alterando o passado - ref. "Los Cronocrímenes"), o Paradoxo da Duplicação (de novo, "Los Cronocrímenes") e o Paradoxo do Avô (ref. trilogia "De Volta para o Futuro").
Dramaticamente, funcionou e bem, mas tecnicamente nos coloca pra ponderar bastante. Se Eobard foi deletado da existência com a morte de Eddie, eles já não estariam evitando a morte da mãe de Barry (já que Eobard nunca existiria para voltar ao passado e fazer isso) e alterando profundamente o presente e futuro daquela linha temporal?
Ninguém foi "realocado" por um efeito dominó temporal. Todos permaneceram ali, num ambiente inalterado e ainda lembrando da existência do já apagado Eobard/Flash Reverso.
Então já estariam vivenciando uma realidade alternativa, cuja única diferença é que Eobard Thawne nunca nascerá - mas o efeito que exerceu sobre suas vidas segue sem mudanças. Irreversibilidade. É aí que o mecanismo temporal da série gera seus primeiros frutos indesejados.
Se Barry voltasse ao passado e conseguisse evitar a morte da mãe, então Iris, Joe, Cisco, Caitlin, etc, da linha temporal original, viveriam num mundo sem Barry. E à mercê de metahumanos nada cordiais, sem falar no Capitão Frio & associados. Já Barry estaria vivendo numa realidade alternativa no passado, com a mãe viva e o pai livre. Ou seja, vivendo numa realidade onde existiriam dois Barry: ele adulto e ele criança.
Olha só do que eles escaparam.
Viu porque o Doc Brown queria destruir o DeLorean lá pelo 2º filme?
Em tempo: e a referência ao Jordan, hm? Sutil, mas bacana...
Marlo, para ser sincero, até você falar, desconhecia completamente que existiu um título mensal do Flash N52. Aliás, independente disso, a verdade é que não me arriscarei a ler esse material nem que me presenteassem esse HC recém anunciado. O queria era que, com o sucesso do seriado, e já que os escoceses são queridinhos por essas bandas, alguma alma caridosa na Panini ao menos percebesse que já deveria ter publicado isso...
http://mycomicshop.com/search?q=The%20Flash%20Morrison%20Millar&qloc=N&TID=16409691
e isso...
http://mycomicshop.com/search?q=The%20Flash%20Morrison%20Millar&qloc=N&TID=19032342
Ainda não vi a notinha em lugar algum, mas acho que é só questão de tempo até que o Flash, a exemplo de Arrow, também estreie na Netflix.
Dogg, só para fins de, aham, "registro"? É memória implantada ou a expressão "Bebedor de Leite" foi criada pelo finado "Alcofa"?
Vejamos,
"Muitas coisas ali eu achava que não veria nunca, como a interação dos poderes do Flash com a Física e a ciência de borda [...]" → O aprimoramento das habilidades dele com o Reverso como mentor conferiu as suas pequenas vitórias uma carga dramática¹ muito superior ao usual método da tentativa e erro. Thawne já sabia do que Barry poderia ser capaz, mas seguia estimulando-o apenas num ponto em que fosse vantajoso para si próprio e, claro, o Flash não passasse a ter vantagem sobre ele. Isso ficou ainda mais claro depois do penúltimo capítulo, ocasião em que, obviamente, ele se deixou capturar por aquele trio. Afinal, em que raio de Terra Paralela, Ollie seria capaz de acertar aquela flecha?
¹ Foi antológico quando Wells o ensinou como atravessar paredes utilizando uma frequência vibratória específica.
“Não vou negar que lacrimejei na cena dele conversando a mãe em seus últimos momentos [...]”→ Também não nego e, inclusive, fico aliviado com sua confissão. Vi um ator imerso naquela cena, tanto que a impressão que ainda tenho é que, mesmo após o take, o Gustin deve ter necessitado de um tempinho para se recompor.
“A série mixa perigosamente as três teorias popstars [...]”→ eu só ousei racionalizar sob o prisma básico do “avô”, e quando o complexo sofreu aquele abalo estrutural logo após o Eobard ser apagado, por um instante, chequei a cogitar que o complexo do S.T.A.R. Labs iria também sofrer uma desconstrução cronológica. Enfim, várias questões vieram à tona, mas outra, um pouco fora desse naipe, me veio à tona: quando Eddie narra a Iris o que havia lhe acontecido poucos instantes antes de tê-la conhecido, mais especificamente sobre o acidente que acabara de acontecer com a garota que se encontraria com ele naquela noite, a pulga atômica foi imediata: será que o Reverso teve algo a ver com isso? Bom, não seria a primeira vez:
http://www.mediafire.com/download/i691gm7nu9gt8ye/The+Flash+v3+%2308+%28Darkseid+Club%29.cbr
“Tomara que seu destino seja (re)contornado em algum ponto do continuum [...]” → Nos quadrinhos há uma pegadinha sobre o Reverso que deve ser (re)configurada para o seriado: salvo me engano, a única maneira de eliminá-lo é matando-o na sua própria linha de tempo original. Algo que, pensando bem, mesmo para o Flash seria praticamente impossível de localizar, ante a infinidade de vezes que já foi manipulada por Thawne.
Bom saber que as HQs oferecem coordenadas. E o Reverso da linha original, que volta do futuro para matar Sarah Conn... opa, mrs. Allen, sempre pode seguir o jovem Barry pelo portal da singularidade até sua linha alternativa (onde o Eddie deu uma de Vargas... não o mutante, o Getúlio). A julgar pela renovação de Tom Cavanagh no elenco, a coisa não vai parar por ali mesmo.
Sobre a ausência de desconstrução cronológica*, confirma que a série opta pelo modelo de realidades alternativas. Nesse caso, a morte de Eddie não deveria afetar o Reverso, apenas sua versão futura daquela realidade, mas enfim... tecnicalidades.
* Lembra do final do ep. duplo "No Além" do desenho da Liga (2x19-20 - http://dcanimated.wikia.com/wiki/Hereafter)? Aquilo foi pra ficar na memória!
Bem legal essa curtinha do Johns. Valeu. Pelo jeito, o Eobard das HQs quebrou todas as regras possíveis. Engraçado que outro dia papeávamos sobre o Cable da fase Ladrönn... bem no meio dela (em Wolverine #101) é mostrada a existência de um grupo de guardiões do tempo que protegiam o continuum desse tipo de abuso. O Eobard não ia se criar ali não...
E o Scott Kolins melhorou substancialmente, hm? Há pouco tempo atrás, seu traço fazia inveja ao Humberto Ramos.
"quando Eddie narra a Iris o que havia lhe acontecido"
Muito curioso esse incidente. Reparando agora realmente soa muito suspeito.
"o Gustin deve ter necessitado de um tempinho para se recompor
Gustin estava entregue mesmo. Nasceu pra esse Flash. E na boa tradição heróica, até aliteração no nome o cara tem.
Uma coisa que me incomodou durante a temporada foi ver o Nuclear, cuja 1ª encarnação nas HQs yo gusto mucho, reduzido a um Tocha Humana. Logo ele, que tem poderes tão engenhosos. O resto do bg, contudo, foi ok.
Ah, "Bebedor de leite" é 100% Alcofa's rights reserved. Ele ainda está perambulando pela Terra Maldita? Saudades daquele maluquinho.
Ps: que belezura esses TPs fláshicos. E de fases aclamadas entre os leitores brazucas...
Dogg, achei intrigante seu comentário sobre o traço de Kolins. Quer dizer, é a velha história da "beleza no olho de quem vê", visto que sou fã da arte dele desde sua primeira colaboração na revista do Flash, lá atrás no arco Blood Will Run¹. Já mais recentemente na excelente "Legados do Universo DC", de Len Wein, achei suas páginas ainda mais refinadas que essas últimas que você citou. Na verdade, acho inclusive uma pena que ele não seja tão aproveitado nas duas grandes.
¹ http://www.amazon.com/Flash-Book-Blood-Will-Run/dp/1401216471/ref=sr_1_7?ie=UTF8&qid=1432778058&sr=8-7&keywords=flash+johns+kolins
Se eu lembro de Hereafter? Dogg, Hereafter é simplesmente meu episódio predileto de toda a Liga de São Timm! Dwayne McDuffie está sentado a direita de Deus Pai Todo Poderoso só por ter escrito esse clássico do Universo DC!
Quanto ao Nuclear, não foi só o perfil cover do Johnny que me incomodou, preferiria também que o Ronny fosse um burrinho esportista que nem o quadrinho, mas enfim, é esperar que Legends pelo menos trabalhe melhor os poderes dele.
Vou caçar essas dicas do Kolins. A bem da verdade, o único contato que tive com a arte dele foi na mini "Beyond!", que não desceu legal e teve o pior visual do Estranho que já vi:
http://smg.photobucket.com/user/zumbinegro/media/Beyonder12.jpg.html
Sobre o ditado, eu que o diga, já que curto pra caramba os traços do Chris Bachalo e do Erik Larsen, rs. Mas... e aí acho importante... compreendo perfeitamente a razão das críticas e até concordo com elas! Mesma situação de um amigo meu que adora o Humberto Ramos (a-a-a-Fivo-tchim!) e de um outro que se amarra no McFarlane. É o tal do guilty pleasure, creio.
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