sábado, 22 de agosto de 2015

A Espada Selvagem da Mythos

A 1ª ESC a gente nunca esquece...

As melhores informações às vezes vêm por acaso. Um fã do Conan enviou um e-mail à Mythos Editora perguntando por que ainda não haviam planos para o relançamento em capa dura da clássica série A Espada Selvagem de Conan. A exemplo da esclarecedora entrevista com Levi Trindade, a resposta do editor Fernando Bertacchini também foi bastante franca e com detalhes generosos sobre os meandros e as mecânicas internas do ramo.

blog Caixa de Gibis transcreveu o texto em primeira mão. Segue a reprodução abaixo. Vale a conferida.

"Imagino que você faça parte de grupos de fãs do Conan em redes sociais, pois recebemos outros e-mails bem parecidos com o seu. Eu estava ocupado demais com Groo versus Conan, mas agora que esse título está na gráfica, posso responder seu e-mail adequadamente. E, claro, pode retransmitir a resposta aos grupos.

O país onde mais se republicam quadrinhos do Conan produzidos pela Marvel é a Espanha. Ao longo dos anos, inúmeras coletâneas foram republicadas. Mas se você pegar exemplares de uma coleção publicada há 15 anos e comparar com a reedição mais recente, vai notar que o texto é praticamente o mesmo. Ou seja, graças ao capricho na tradução, mantendo o texto em “norma culta” que lhe confere um aspecto atemporal, toda vez que querem lançar uma nova coleção, eles podem aproveitar o mesmo texto e, hoje em dia, até a mesma diagramação e letreramento. Ou seja, a produção dos relançamentos é muito rápida. Aqui, as traduções feitas no passado eram (na minha opinião) desleixadas, com um enorme volume de texto suprimido por causa do maldito formatinho. Mas até mesmo na Espada Selvagem (onde não havia a desculpa de “falta de espaço nos balões pra comportar todo o texto original”) também era praxe a mutilação de 30 a 40% de texto, simplesmente porque havia poucos letristas capacitados, e os prazos deles eram sempre os mais apertados. Por causa dessa cadeia de produção que visava muito mais rapidez do que qualidade, não podemos hoje em dia reaproveitar as traduções. Cheguei a planejar em 2013 uma coleção em capa dura, com edições trimestrais de 144 a 160 páginas, na qual republicaríamos a Savage Sword of Conan com as histórias em ordem cronológica. Mas o tempo de produção desses encadernados, só pelo fato de sermos obrigados a retraduzir tudo, já comprometia o projeto. Traduções no nível que fazemos levam três vezes mais tempo. Mesmo que fosse uma coleção trimestral, ela praticamente me deixaria ocupado fazendo somente isso, e neste mercado editorial restrito, a editora não pode ter um editor trabalhando em uma única publicação. Além disso, com a queda de vendas provocada pela crise econômica, e os custos gráficos cada vez mais altos, pois são cotados em dólar, o projeto da SSC em capa dura foi engavetado.

Ou seja, se existissem traduções completas e caprichadas desde a época da Abril, hoje poderíamos comprá-las (como se faz há décadas na Espanha), atualizar a revisão e enviar imediatamente para algum letrista. Com isso, seria mais rápido produzir reedições dignas da qualidade original da Savage Sword, sem o risco de que um único título “amarrasse” a produção e acorrentasse o editor somente a ele. Pra citar um exemplo, quando as histórias de Conan the Barbarian existentes em preto e branco terminaram (após a morte da Bêlit), adotamos aquela cronologia da Marvel como base da sequência da revista, não apenas pra poder usar histórias da SSC em ordem cronológica, mas também pra seguir o exemplo da Espanha, deixando como legado ao menos um lote de aventuras com texto que pode ser republicado na íntegra tanto hoje quanto daqui a 20 anos. Graças a esse cuidado, ficamos com um “estoquezinho” que nos permitiu produzir o álbum gigante Conan: O Libertador, que foi tão elogiado. E ainda temos nas mesmas condições as histórias desde a conquista do trono até o casamento com a Zenobia. Essa fase seria o segundo volume do “Conan gigante”, que estava planejado para o final de 2014, mas aí a economia do país entrou em crise e a cotação do dólar disparou… isso gerou não apenas custos gráficos astronômicos, mas também reajustes repentinos em contratos antigos, negociados em dólar com pagamentos parcelados (faturas com prazos de 30 e 60 dias triplicaram seu preço). Mesmo com o dólar tendo regressado a um patamar menos desastroso durante um curto período, o estrago da cotação 3,50 já tinha sido enorme, e agora esse pico ainda foi ultrapassado! Enfim, quando chegaram os primeiros orçamentos gráficos para o segundo “Conan gigante”, a direção da Mythos desistiu, pois o preço que seríamos obrigados a cobrar fatalmente afundaria as chances de venda.

Os mesmos fatores afetariam uma coleção de luxo da Savage Sword. Podemos afirmar que ela não venderia como água, pois seu custo de licenciamento, produção e gráfica resultariam em um preço de capa que pouquíssimos leitores poderiam pagar. Infelizmente, por fatores que não vou comentar aqui, o licenciamento de SSC custa bem mais caro, por exemplo, do que o licenciamento de qualquer título novo produzido da Dark Horse. Publicações inéditas sempre vendem mais que qualquer material antigo, mas SSC tem um custo bem superior. Se a cotação do dólar voltasse a um nível razoável, no mínimo uns R$2,50, e se ESTABILIZASSE nesse nível, poderíamos cogitar tanto o segundo volume gigante quanto a coleção trimestral da SSC em ordem cronológica. Porém, como essa possibilidade parece cada vez mais distante no atual cenário econômico, nosso único projeto com aventuras clássicas do Conan é a coleção The Chronicles of Conan, da Dark Horse. No mínimo os quatro volumes iniciais, onde foram republicadas todas as aventuras com arte de Barry Windsor-Smith, têm chance de ganhar uma versão brasileira, pois, como acabei de explicar, infelizmente o custo do material licenciado pela Dark Horse é muito mais justo do que o licenciamento de Savage Sword. E antes que você questione, “Mas a Dark Horse não publica SSC?”, já explico que sim, eles republicam, mas nesse caso, não são os licenciantes do título, ou seja, também eles são obrigados a licenciar ao custo bem alto, mas não podem revender. Somente as aventuras clássicas com as novas cores produzidas e bancada pela própria Dark Horse podem ser revendidas por ela. E mesmo assim, até essa permissão pode ser revogada pela Conan Properties sem prévio aviso.

Um abraço.

Fernando Bertacchini

Editor"

3 comentários:

lendo à bessa disse...

Interessante essa defasagem das traduções. Como os editores não têm um contato muito próximo com o público a gente pensa que os problemas geralmente são só com vendas.
Muito boa essa entrevista com o Levi que tu linkou. Os canais sobre quadrinhos tão ajudando muito quem lê/coleciona/acompanha, acaba que complementa o que vocês aqui e nos seus blogs individuais postam.
Abraço!

Luwig Sá disse...

Eis uma instituição desafiadora e, por que não, apaixonante: a tal da tradução.

Peguei gosto pela coisa no Mestrado ao pagar uma cadeira chamada "Dialogismo e Filosofia do Intercultural". Muito do que ouvi e li¹, de certo modo, parece até instintivo, uma vez que enquanto fãs de quadrinhos, por ser algo tão inerente ao hobby, talvez não percebamos, mas estamos sempre à mercê de traduções, seja no processo criativo dicotômico "roteirista/ilustrador", seja nas barganhas inter-idiomas. Por outro lado, não há consenso aqui, afinal, adaptar é traduzir e a recíproca também é verdadeira. No final, tradução é a perpetuação da figura do autor, partindo do princípio da retórica do "se é que existe um autor?".

Como você percebeu² naquela vez, o tópico mexe comigo, com muita gente³ e notoriamente com o Bertacchini aí também. Quer dizer, dá para perceber que ele não quer apenas reproduzir o conteúdo dos balões da ESC da Abril, mas sim tocar o puteiro do Bárbaro como deve ser tocado. Uma pena que o trâmite burocrático de direitos autorias e esse dólar maléfico sabotem o entusiasmo desse cidadão.

¹ Esse livro de contos explodiu minha cabeça: http://www.4shared.com/get/BIS3GLOcba/O_Aleph_-_Jorge_Luis_Borges.html

Caso não conheça, Borges é o "Papa" da Tradução.

² http://pulso-eletromagnetico.blogspot.com.br/2015/04/a-desforra-de-abel.html

³ http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/intraducoes/article/view/2801/3503

A propósito, já me arrisquei nessa seara uma vez. Foi com o Sleeper do Brubaker/Phillips. Como o cidadão que fazia a tradução pulou fora na edição #4, acabei continuando a série da #5 até a #12 da Primeira Temporada. Modéstia à parte, acho que para um debute, até que não me saí tão mal. Gostaria de seguir até o desfecho, com a Segunda Temporada, mas a minha dissertação vem pedindo passagem e estou adiando o processo.

Gostaria muito que a Panini publicasse esse material. É coisa finíssima!

http://www.4shared.com/rar/JrTrZLKgba/Sleeper_Season_1_PTBR.html

doggma disse...

Do Vale, é aquela questão de sempre: falta de transparência. Compreendo a importância do sigilo editorial, mas nem tudo precisa ser guardado a sete chaves. Deixa o público no escuro e sem ação - incluindo a ação que poderia se refletir nas vendas (vide o "caso Júlia Kendall", da própria Mythos). Mas pelas recentes declarações de editores e envolvidos, as coisas estão ensaiando uma mudança, felizmente.

Assino embaixo quanto aos canais sobre quadrinhos, embora já tenha notado vários flames de jardim de infância entre eles.

Além de uns jabás sem-vergonhas, claro.

* * *

Luwig, até achava um bom indício o fato do Bertacchini expor a situação assim - e de repente até arregimentar um lobby pró-ESC pelas "redes sociais". Mas como nossa "presidenta" mesma já disse, modestamente, que "2016 não será uma maravilha"... É uma pena, pois esse era um material que eu gostaria muito de ter em edições à altura.

Traduzir é uma arte e das mais difíceis. Certas obras beiram o intraduzível (já viu o original de "Trainspotting"?) e outras são mais simples, porém demandam a reconstituição de um sentimento que se perde na mera extensão das frases. É um trabalho que apresenta tanto momentos de "força bruta" quanto momentos de uma delicadeza absurda. Além de um ótimo conhecimento sobre os temas em questão.

Aliás, uma das coisas que a Pixel Magazine fez bem foi aquela edição #15 com a difícilima Promethea #12 (para maiores referências.: http://www.angelfire.com/comics/eroomnala/12.html). A tradução de Enzo Fiúza e a adaptação do Delfin foram soberbas.

Não sabia da sua incursão na tradução do Sleeper. Legal demais!

Nem chego perto do seu nível acadêmico na área, mas lembra que eu comecei a brincar de legendar JLU com a intenção de deixar o mais próximo do original possível? Pois bem... é impossível, rs. Tinha deixando parte do trampo descansando, pra reavaliação, e fui rever uns eps esses dias. Resultado: as referências e as punchlines dos diálogos mais intensos estão todas lá, concisas e sem brasileirismos, mas... o tempo de tela é claramente insuficiente. Vou ter que redistribuir algumas linhas e mexer no tempo da exposição, mas não sei até quando conseguirei evitar a tesoura.

E valeu pelo Aleph do Borges (não conhecia) e pelo Sleeper! Vou conferir.