Oderint Dum Metuant - "Que me odeiem, contanto que me temam." Palavras tiradas do poeta
Attius e citadas por Cícero em um de seus famosos discursos. Se aplicam às autoridades prepotentes e
desconfiadas.
É também o lema da Família Carlyle.
Lazarus provavelmente passou despercebido pela grande
maioria dos leitores de quadrinhos aqui no Brasil. Primeiro porque ainda não
foi publicado por aqui. Segundo: comparado com as mega ultra sagas
revolucionárias, Lazarus é um material bem low profile. Por último,
talvez você até tenha lido, mas certamente não foi atrás do processo criativo,
os bastidores da produção.
É aí que figura o lado mais interessante de Lazarus.
A história, criada por
Greg Rucka, narra um futuro próximo onde 1% da população
controla 99% dos recursos mundiais, enquanto 99% do restante da população
sobrevive com o 1% disponível. Essa minoria dominante está dividida em grupos
econômicos familiares que controlam o destino do restante da população, abolindo governos e fronteiras.
Cada Família
possui ainda um representante extraordinário, denominados Lazari, que defendem os interesses do clã. Cada Lazarus é "melhorado" usando os aprimoramentos comerciais da família, como implante cibernéticos ou engenharia genética. A série foca inicialmente o Lazarus da família Carlyle, a humana geneticamente modificada Forever.
Lançado em 2013 como série regular (com algumas paradas
merecidas para tomar fôlego), Lazarus foi descrito na época do seu lançamento
como “
O Poderoso Chefão encontra Filhos da Esperança”. Ingredientes fortes e
consagrados, argumento mais que suficiente para deixar este que vos
fala escreve de orelha em pé. Mesmo assim demorei para ir
atrás, mas dei muita sorte de achar as 10 primeiras edições separadas com um
ótimo preço. Digo isso porque li não só a história, mas o canal de comunicação
transparente que Rucka abriu na sessão de cartas.
Rucka explica
como foi o lampejo inicial para criar esse universo, o contato com
Michael
Lark, ex-parceiro de Gotham Central, e a tentativa de emular o embasamento
científico das obras de
Warren Ellis. Inclusive, numa demonstração encantadora de
humildade, Greg Rucka comenta que procurou Ellis e pediu uma orientação técnica, em busca de embasamento científico.
Como o Velho Bastardo deve ser um imenso boa praça, direcionou o amigo
de profissão para o conceito de
célula tronco embrionárias de pluripotência
induzida (pesquise por
IPS e fique embasbacado) o que resultou na capacidade de
regeneração de Forever Carlyle.
Mais desse interessante processo criativo, você encontra na
wiki da série.
Rucka e Lark não pararam por aí. A cada edição da revista,
uma nova pesquisa ou teoria cientifica é apresentada. O simples esboço de um
quarto ou um veículo militar tem um embasamento real. A sessão de cartas serve
também como veículo para divulgação científica, mostrando quão próximo estamos
daquela realidade. Ainda sobra espaço para complementar as informações
históricas, cronologia e descritivo das empresas/famílias que controlam o
mundo. Por isso mesmo, recomendo a leitura das edições avulsas da série.
Com um foco tão grande no
Worldbuilding, a trama fica um pouco amarrada nos primeiros números. No segundo arco,já é possível ver uma situação onde os "Restos" da população tem uma chance de ser promovidos a Servos. O terceiro, Conclave, traz uma reunião de todas as Famílias e seus respectivos Lazari, apresentando melhor a dinâmica política desse Novo Mundo.
Lazarus tem tudo para sair do papel e ganhar uma adaptação em breve. Os rumores já começaram, e algumas atrizes já estão fazendo o costumeiro lobby para o papel. Quem saiu na frente, e possui uma semelhança inegável, é a atriz Michelle Rodriguez. Além de ser uma boa atriz em cenas de ação,
Rodriguez parece realmente gostar da série.
...
Vladimir Putin indicaria: O cafezinho no final daquela refeição. Uma dica saideira. Se Greg Rucka tentou emular Warren Ellis, agora é a vez do Velho Bastardo arriscar uma prosa bastante parecida com o texto noir urbano de Rucka no livro Máquina de Armas.
A trama envolve um caso de polícia, um mistério digno do interesse do leitor, várias armas, um psicopata com alucinações e um ritmo ágil e muito agradável de leitura. Lembra muito o romance A Queima Roupa do Rucka, só que é o WARREN ELLIS escrevendo.
Não se assuste que não tem figurinhas, é uma ótima leitura.