terça-feira, 16 de junho de 2015

Meu Pequeno Escorpião

Há algo de muito estranho no olhar de Eva Green. Algo que provavelmente me fugirá as palavras tão logo tente manipulá-las para que esse raciocínio faça o mínimo sentido, mas que há algo ali, isso há. Algo que lhe habilita a vestir e se despir de corpos com maneirismos exóticos ímpares, de naturezas indeléveis e órbitas cerradas tão perturbadoras que caso ela tivesse nascido há uma Idade Média de distância, certamente passaria por maus bocados, quiçá, fogueiras inquisitivas. 

Não cometa o erro de alinhar os seus olhos aos dela, fitando-os através da telinha; caso o faça, é bastante provável que o tecido da realidade seja feito em pedaços e sequer se dê conta da enrascada que se meteu. Se o fizer e tornar ao plano físico ainda em sã consciência, é de se convir que possa resistir ao vodu de Isabelle¹, Vesper Lynd, Morgana Le Fay, Angelique Bouchard ou Artemisia. A travessia, contudo, lhe dará a certeza que, bem ou mal, todas elas são parte da fascinante Vanessa Ives, de Penny Dreadful²

Personagem das mais fascinantes, Ives é uma médium da Londres da Era Vitoriana que além de ser um para-raios para entidades sobrenaturais, suspeita-se que o suprassumo das hostes demoníacas esteja também em seu encalço. Até então, pouco se conhecia sobre suas habilidades, aliás, até a estreia de The Nightcomers (S02E03), tanto a audiência quanto os integrantes dessa “Liga Extraordinária” sequer imaginavam que haviam segredos a serem desvelados. Parte desses segredos é trazida à tona nesse inesquecível capítulo, no qual uma jovem Vanessa torna-se a aprendiz de Madame Corte, uma bruxa anciã de Ballentree Moor.
 Provavelmente, o mais catártico episódio dentre os quinze exibidos até aqui, é a partir de The Nightcomers que passamos a compreender o sentido por trás do selo de proteção do escorpião, exaustivamente utilizado pela personagem, bem como a perda que a levou a ser tornar tão avessa e temerosa com relacionamentos interpessoais. Outrossim, também aprendemos que ela sabe muito mais do que deixa transparecer. 

Mas Penny Dreadful não é apenas sobre Vanessa Ives, ou só outro oportunismo casuístico, pelo contrário, trata-se de uma distinta peça de tapeçaria cujos filamentos oriundos de entrelaçamentos de narrativas fantásticas clássicas, pode vir a se tornar a obra-prima de um mestre tecelão: John Logan³.

E como diria Mateus 11.6, "E felizes são aqueles que não abandonam sua fé em mim".   

¹ Isso sempre me atormentou: seria Fivo uma das múltiplas personalidades de Doggma, ou Doggma seria um Homem Sem Rosto, crente no Deus de Muitas Faces

² Caso o leitor seja tão puro quanto o Escapista Marlo, e ainda não tenha vendido a alma para o Kick-Ass Torrents, a Netflix acaba de agregar ao seu acervo o primeiro ano da série.

³ Que bela reputação a do Senhor Logan, não? Um Domingo Qualquer, Jornadas nas Estrelas: Nêmesis, O Aviador, Sweeney Todd, Coriolano e 007: Operação Skyfall, são como cantigas de ninar para esse humilde escapista que vos fala escreve. 

4 comentários:

Do Vale disse...

Atualmente, a única série (com exceção da iminente 2ª temporada de True Detective) que acompanho com ansiedade o episódio seguinte. Terminei a 1ª temporada com a sensação meio sem saber o que esperar, mas a 2ª vem surpreendendo.
Tocando no assunto séries, bem mais ou menos a Sense8. Alguém viu?
Aliás, dica de uma nova seção pro blog: os Escapistas comentam as séries a que estão assistindo.
Abraço!

blogzine disse...

Do Vale, estou assistindo Sense 8 e estou gostando da série. Mas confesso que sou fã confesso dos Warchovski, gosto até dos defeitos deles. E, para quem trouxe ao mundo Matrix, todo excesso e vício DEVE ser perdoado.

A série tem uma produção cuidadosa e um visual estonteante. Ainda não terminei, mas estou gostando do que estou vendo.

Com relação a Penny Dreadful, essa sim é queridinha. A série não se vende fácil, gosto demais do plot drive que não desmerece o desenvolvimento de personagem e alguns momentos da trama são realmente assustadores!

Atualmente estou fascinado pelo Sembene (deve ter um background Cabrón!) e pelo dúbio Ferdinand Lyle.

doggma disse...

Eva é soberba e Vanessa é excepcionalmente bem escrita. Com essa combinação, a antologia da vida dela comportaria aventuras até mais alucinantes que as do sir Malcolm, caso o showrunner quisesse se arriscar (tomara que não, está tudo perfeitamente balanceado). Sendo assim, acho difícil decidir entre este "The Nightcomers" e o "Closer Than Sisters" da temporada anterior. Duas pinturas.

Eu diria que o mestre tecelão precisa apenas ficar atento a uma ponta solta (figurativa e literalmente): Dorian. Mas como ele é mestre e eu um plebeu, resta-me aguardar humildemente.

Ps: boa sugestão, Do Vale.

Pps: Fivo sou eu bon vivant.

Ppps: e pensar que um dos primeiros trabalhos do Logan foi naquela trasheira de "Morcegos"...

Luiz Gustavo de Sá disse...

Do Vale, como disse o Dogg, boa sugestão. Quanto a Sense8, estou ainda no princípio - capítulo 3 -, mas te antecipo que estou começando a curtir.

Reginaldo, Sembene fala pouco, mas quando abre a boca... a metáfora do crocodilo e o macaco, por exemplo, foi qualquer coisa de genial.

Dogg, e não esqueçamos do tenso Possession (S01E07) - será que o Friedkin aprovaria?

Já que você citou o Dorian, não sei você, mas tenho a sensação de que ele é o único personagem ali cuja presença - constante, por sinal - ainda parece meramente alegórica. Já passou da hora de abordar o que de fato é interessante sobre o personagem, ou seja, a imortalidade e a mecânica dos retratos.

Sobre pontas soltas... me corrija se estiver equivocado, mas Vanessa não já conhecia Brona Croft?