O que põe termo ao direito imaterial é o domínio público, uma zona cinzenta onde uma propriedade intelectual sui generis, após algumas dezenas de anos após a morte de seu autor-criador, ultrapassa as amarras das legislações protecionistas e, por fim, fica à disposição da sociedade como um espécime de patrimônio cultural da humanidade. É algo fascinante, mas se refletires um pouco, a cada dia menos usual como outrora se via, principalmente, na Literatura.
Quer dizer, imagine o caso de J. K. Rowling, a famosa escritora de Harry Potter. Ela e sua progênie são os únicos proprietários de um universo literário ficcional que alçou ao status de franquia milionária e, recentemente, um sucesso de público que até hoje a Warner Brothers ainda não conseguiu repetir. Imagine também que daqui há vários invernos ela conheça seu último inverno e, com muitos invernos ainda porvir, seus herdeiros passem a serem os donos legítimos dessa marca, podendo desfrutar de seus despojos e até mesmo dos destinos criativos dos personagens. Esse, portanto, seria um desdobramento hipotético o qual, a título de exemplo, usufrui o irascível rebento de J. R. R. Tolkien – que resguarda a Terra Média com “Um Anel” forjado em documentos legais tão poderosos quanto a famigerada joia de Sauron.
Por outro lado, na via contrária desse processo, existem autores-criadores como George Lucas, que abrem mão de seu “Um Anel” –ou seria sua “Ferroada”, ou seria seu sabre de luz? – e por uma quantia multibilionária, transferem sua propriedade intelectual para conglomerados do entretenimento como a Disney, criando um cenário inusitado: o criador não mais influi nos rumos das criaturas, nessa realidade, embora esteja vivo e bem ($), Lucas agora é tão relevante para J. J. Abrams quanto Arthur Conan Doyle é hoje para David Shore, Guy Ritchie, Mark Gatiss ou Steven Moffat.
Não que, historicamente, o controle criativo de Star Wars sempre esteve sitiado e sob o jugo de Lucas, pelo contrário, os fãs têm conhecimento de que a atual configuração daquele universo é fruto de um trabalho colaborativo tão extenso, que fugiu completamente ao domínio do criador. Estamos falando da expansão daquele universo, “fanfics” com o aval extraoficial de Lucas e que, muito embora, tenham sido substratos para conceitos, tramas e personagens, por sinal, muitos deles, inclusive, aproveitados na nova trilogia e em Clone Wars – verdade seja dita –, nunca conseguiram uma sustentação canônica 100% confiável, como muitos fãs gostariam de crer.
Além de relegar a Lucas o papel simbólico de “consultor criativo”, a aquisição de Star Wars pela Disney mudou, pelo menos, duas coisas: (1) o universo expandido pré-Disney – diferenciado pelo selo “Legends” – trabalhado nos quadrinhos da Dark Horse e em livros como os de Timothy Zahn, não fazem parte do cânone; (2) em apertada síntese, o que faz agora parte do cânone é apenas a hexalogia, as seis temporadas de Clone Wars, Rebels, os livros e quadrinhos (Marvel) após o aludido acordo.
À primeira vista, a linha demarcatória parece acessível e convidativa, sobretudo para os neófitos, mas receio que isso não seja tão simples quanto parece. Reiterando, vários conceitos, tramas e personagens presentes no cânone foram apresentados originalmente no universo expandido¹ e, posteriormente, aproveitados na nova trilogia e, mais detalhadamente, em Clone Wars como, por exemplo, Aayla Secura, Aurra Sing, Quinlan Vos, as Nightsisters e vários primados constantes em O Caminho Jedi, O Livro dos Sith e O Código do Caçador de Recompensas. Logo, por mais que se queira fechar os olhos para esse legado rejeitado, de certo modo, ele já está silenciosamente entranhado em Star Wars e, nesse sentido, não há nada que a Disney possa fazer a respeito.
Doravante, o que a Disney fez – e fez muito bem! – foi efetivar a presumida transição da gestão Dark Horse para a Marvel, de modo que caberia a segunda a manutenção do novo universo expandido em quadrinhos – e agora sim com o status oficial de cânone. A julgar pelas primeiras séries, a passagem de editoras foi algo mais que uma mera dança de cadeiras:
Star Wars: Skywalker Strikes
O carro-chefe da empreitada começou com o pé direito e uma mensagem muito clara: a Marvel não relegaria Star Wars a desconhecidos/principiantes e nem tão pouco sairia por aí despejando títulos e mais títulos sem nenhum critério de qualidade. Nesse diapasão, a opção por Jason Aaron (Escalpo) e John Cassaday (Planetary) como mestres de cerimônia revela que a Casa das Ideias não está para brincadeira.
O que é brincadeira é o quanto esse arco de debute é bom. Tu realmente acreditas que essa sim foi de fato a primeira história que degustastes após assistir o icônico Episódio IV. O enredo em questão coloca Luke e Cia. em uma missão para desmantelar uma das principais fábricas de armas do Império. De leitura rápida e arte deveras cinética, é daqueles álbuns repletos de piadas internas, para fãs mesmo. O desfecho da história entrega ao menos uma ou duas premissas instigantes para o próximo arco.
Star Wars: Darth Vader, Volume 1
Desde que encontrou seu destino há cerca de vinte anos em Mustafar, Anakin Skywalker não construiu sua reputação de Lorde Sith com impasses ou fracassos sobre os ombros. Posto isso, o que a destruição da Estrela da Morte e o incidente de Cymoon 1 têm em comum é o mesmo sabor amargo da derrota, rebaixando ainda mais o conceito que Darth Sidious já passara a ter pelo pupilo.
A narrativa de Kieron Gillen (The Wicked & The Divine) e Sal Larroca (Invincible Iron Man) propõe uma busca de Vader pela redenção, que ocorre nos bastidores da série carro-chefe, apresentando também a simpática Doutora Aphra e os dróides Triplo-O e BT – variantes “psicopatas” de C3PO e R2D2:
Destaque também para a caracterização engenhosa conferida a Vader, aproximando-o das peripécias improvisadas que costumava protagonizar em Clone Wars. E só para fins de registro, dentre as séries elencadas aqui, devo dizer que essa não é apenas a minha predileta, mas creio que seja também um dos melhores títulos em publicação na Marvel.
Star Wars: Princess Leia
Desde que tomei como hábito o gosto pelas reprises anuais de Star Wars sempre me questionei sobre a suposta reação apática da Princesa Leia a destruição de seu planeta Alderaan. Mark Waid (Demolidor) e Terry Dodson (X-Men) foram ao encontro dessas respostas para mim.
Star Wars: Kanan, The Last Padawan
Antes de ir à cata dessa série, por gentileza, faça um favor a si próprio e assista a Rebels². Trata-se do seriado que sucedeu Clone Wars, e tem seu lugar nos quinze (dos vinte) anos que separam os Episódios III e IV, narrando desventuras de um séquito de rebeldes desgarrados da Aliança Rebelde propriamente dita. O centro da trama, porém, é a relação de idas e vindas de Kanan Jarros/Caleb Dume e Ezra Bridger.
O primeiro foi um Padawan que sobreviveu a Ordem 66; e o segundo, o “Padawan” do primeiro. Paradoxal, hã? Exatamente! E reside aí uma dinâmica no mínimo peculiar, onde o “Mestre” nunca teve a chance de completar seu treinamento e um “Padawan” que terá que se contentar com um treinamento meia-boca. O quadrinho de Greg Weisman (Young Justice) e Pepe Larraz (Wolverine & The X-Men) se debruça exatamente nos anos perdidos de Caleb Dume, logo após o massacre dos Jedis.
No mais, o horizonte reserva ainda dois grandes lançamentos até a estreia do Episódio VII, quais sejam:
Star Wars: Lando, por Charles Soule (Monstro do Pântano) e Alex Maleev (Demolidor):
Star Wars: Shattered Empire, por Greg Rucka e Marco Chechetto (Justiceiro):
Esse último, um prelúdio para o filme homônimo.
¹ IMHO, o ideal seria que os atuais realizadores fizessem uma triagem corajosa dos quadrinhos e livros mais relevantes, pinçando aqueles que representam o ideário de uma franquia que nunca poderá ser trabalhada em todos os seus meandros.
² Mal posso esperar para ver a acareação entre Vader e sua outrora Padawan, Ahsoka Tano. Promete ser um dos grandes momentos de Rebels em 2015.
Quer dizer, imagine o caso de J. K. Rowling, a famosa escritora de Harry Potter. Ela e sua progênie são os únicos proprietários de um universo literário ficcional que alçou ao status de franquia milionária e, recentemente, um sucesso de público que até hoje a Warner Brothers ainda não conseguiu repetir. Imagine também que daqui há vários invernos ela conheça seu último inverno e, com muitos invernos ainda porvir, seus herdeiros passem a serem os donos legítimos dessa marca, podendo desfrutar de seus despojos e até mesmo dos destinos criativos dos personagens. Esse, portanto, seria um desdobramento hipotético o qual, a título de exemplo, usufrui o irascível rebento de J. R. R. Tolkien – que resguarda a Terra Média com “Um Anel” forjado em documentos legais tão poderosos quanto a famigerada joia de Sauron.
Por outro lado, na via contrária desse processo, existem autores-criadores como George Lucas, que abrem mão de seu “Um Anel” –
Não que, historicamente, o controle criativo de Star Wars sempre esteve sitiado e sob o jugo de Lucas, pelo contrário, os fãs têm conhecimento de que a atual configuração daquele universo é fruto de um trabalho colaborativo tão extenso, que fugiu completamente ao domínio do criador. Estamos falando da expansão daquele universo, “fanfics” com o aval extraoficial de Lucas e que, muito embora, tenham sido substratos para conceitos, tramas e personagens, por sinal, muitos deles, inclusive, aproveitados na nova trilogia e em Clone Wars – verdade seja dita –, nunca conseguiram uma sustentação canônica 100% confiável, como muitos fãs gostariam de crer.
Além de relegar a Lucas o papel simbólico de “consultor criativo”, a aquisição de Star Wars pela Disney mudou, pelo menos, duas coisas: (1) o universo expandido pré-Disney – diferenciado pelo selo “Legends” – trabalhado nos quadrinhos da Dark Horse e em livros como os de Timothy Zahn, não fazem parte do cânone; (2) em apertada síntese, o que faz agora parte do cânone é apenas a hexalogia, as seis temporadas de Clone Wars, Rebels, os livros e quadrinhos (Marvel) após o aludido acordo.
À primeira vista, a linha demarcatória parece acessível e convidativa, sobretudo para os neófitos, mas receio que isso não seja tão simples quanto parece. Reiterando, vários conceitos, tramas e personagens presentes no cânone foram apresentados originalmente no universo expandido¹ e, posteriormente, aproveitados na nova trilogia e, mais detalhadamente, em Clone Wars como, por exemplo, Aayla Secura, Aurra Sing, Quinlan Vos, as Nightsisters e vários primados constantes em O Caminho Jedi, O Livro dos Sith e O Código do Caçador de Recompensas. Logo, por mais que se queira fechar os olhos para esse legado rejeitado, de certo modo, ele já está silenciosamente entranhado em Star Wars e, nesse sentido, não há nada que a Disney possa fazer a respeito.
Doravante, o que a Disney fez – e fez muito bem! – foi efetivar a presumida transição da gestão Dark Horse para a Marvel, de modo que caberia a segunda a manutenção do novo universo expandido em quadrinhos – e agora sim com o status oficial de cânone. A julgar pelas primeiras séries, a passagem de editoras foi algo mais que uma mera dança de cadeiras:
Star Wars: Skywalker Strikes
O carro-chefe da empreitada começou com o pé direito e uma mensagem muito clara: a Marvel não relegaria Star Wars a desconhecidos/principiantes e nem tão pouco sairia por aí despejando títulos e mais títulos sem nenhum critério de qualidade. Nesse diapasão, a opção por Jason Aaron (Escalpo) e John Cassaday (Planetary) como mestres de cerimônia revela que a Casa das Ideias não está para brincadeira.
O que é brincadeira é o quanto esse arco de debute é bom. Tu realmente acreditas que essa sim foi de fato a primeira história que degustastes após assistir o icônico Episódio IV. O enredo em questão coloca Luke e Cia. em uma missão para desmantelar uma das principais fábricas de armas do Império. De leitura rápida e arte deveras cinética, é daqueles álbuns repletos de piadas internas, para fãs mesmo. O desfecho da história entrega ao menos uma ou duas premissas instigantes para o próximo arco.
Star Wars: Darth Vader, Volume 1
Desde que encontrou seu destino há cerca de vinte anos em Mustafar, Anakin Skywalker não construiu sua reputação de Lorde Sith com impasses ou fracassos sobre os ombros. Posto isso, o que a destruição da Estrela da Morte e o incidente de Cymoon 1 têm em comum é o mesmo sabor amargo da derrota, rebaixando ainda mais o conceito que Darth Sidious já passara a ter pelo pupilo.
A narrativa de Kieron Gillen (The Wicked & The Divine) e Sal Larroca (Invincible Iron Man) propõe uma busca de Vader pela redenção, que ocorre nos bastidores da série carro-chefe, apresentando também a simpática Doutora Aphra e os dróides Triplo-O e BT – variantes “psicopatas” de C3PO e R2D2:
Destaque também para a caracterização engenhosa conferida a Vader, aproximando-o das peripécias improvisadas que costumava protagonizar em Clone Wars. E só para fins de registro, dentre as séries elencadas aqui, devo dizer que essa não é apenas a minha predileta, mas creio que seja também um dos melhores títulos em publicação na Marvel.
Star Wars: Princess Leia
Desde que tomei como hábito o gosto pelas reprises anuais de Star Wars sempre me questionei sobre a suposta reação apática da Princesa Leia a destruição de seu planeta Alderaan. Mark Waid (Demolidor) e Terry Dodson (X-Men) foram ao encontro dessas respostas para mim.
Star Wars: Kanan, The Last Padawan
Antes de ir à cata dessa série, por gentileza, faça um favor a si próprio e assista a Rebels². Trata-se do seriado que sucedeu Clone Wars, e tem seu lugar nos quinze (dos vinte) anos que separam os Episódios III e IV, narrando desventuras de um séquito de rebeldes desgarrados da Aliança Rebelde propriamente dita. O centro da trama, porém, é a relação de idas e vindas de Kanan Jarros/Caleb Dume e Ezra Bridger.
O primeiro foi um Padawan que sobreviveu a Ordem 66; e o segundo, o “Padawan” do primeiro. Paradoxal, hã? Exatamente! E reside aí uma dinâmica no mínimo peculiar, onde o “Mestre” nunca teve a chance de completar seu treinamento e um “Padawan” que terá que se contentar com um treinamento meia-boca. O quadrinho de Greg Weisman (Young Justice) e Pepe Larraz (Wolverine & The X-Men) se debruça exatamente nos anos perdidos de Caleb Dume, logo após o massacre dos Jedis.
No mais, o horizonte reserva ainda dois grandes lançamentos até a estreia do Episódio VII, quais sejam:
Star Wars: Lando, por Charles Soule (Monstro do Pântano) e Alex Maleev (Demolidor):
Star Wars: Shattered Empire, por Greg Rucka e Marco Chechetto (Justiceiro):
Esse último, um prelúdio para o filme homônimo.
¹ IMHO, o ideal seria que os atuais realizadores fizessem uma triagem corajosa dos quadrinhos e livros mais relevantes, pinçando aqueles que representam o ideário de uma franquia que nunca poderá ser trabalhada em todos os seus meandros.
² Mal posso esperar para ver a acareação entre Vader e sua outrora Padawan, Ahsoka Tano. Promete ser um dos grandes momentos de Rebels em 2015.
5 comentários:
Engraçado como as hq's de star wars nunca tinham me chamado a atenção. Talvez eu imaginasse ser algo totalmente distante do visto nos filmes, e que o referido material não casasse com este tipo de mídia.
Também não foi o desembarque na Marvel que me despertou o interesse. O mais provável talvez seja o evento que se aproxima no fim do ano. Assim, quando a primeira edição da dedicada a Darth Vader saiu, corri pra ler e percebi o quanto eu estava errado. Li os 2 primeiros nºs e sinto que estou pecando por me manter desatualizado.
Quanto aos outros números, o máximo que vi foi uma sensacional capa do Cassaday.
Sou um grande fã dos quadrinhos clássicos de Star Wars, estou colecionando a série da Planeta DeAgostini mais pelo saudosismo das antigas histórias que saiam no Hulk formatinho da Abril. Acho as versões mais modernas (Dark Horse e cia) bem chatinhas, tirando um ou outro título.
Dessa nova leva Disney/Marvel só estou acompanhando a série do Aaron/Cassaday, mais pelo Cassaday do que pelo Aaron, confesso.
Li também KENOBI, um dos livros canônicos lançados pós compra da Disney e achei muito bom. Fico na torcida para levarem para o cinema, com o Evan McGregor reencarnando o personagem.
Alê e Reginaldo, confesso que também nunca dei muita bola paro o universo expandido quadrinhístico, mas sempre vi com bons olhos aquelas continuações apócrifas de Tom Veitch¹ e a adaptação da trilogia de Thrawn por Mike Baron². A Propósito, essas serão também minhas únicas aquisições³ dessa coleção da Planeta - Tomos #40-44.
Seria sim uma ótima pedida ver o livro Kenobi adaptado para os cinemas, mas creio que ele não seja canônico por conta da presença do selo "Legends". Que é uma pena, devo dizer, e esbarra exatamente com o que disse no texto: deveria haver uma triagem e não apenas desconsiderar tudo à esmo.
¹ http://www.guiadosquadrinhos.com/capas/star-wars-imperio-do-mal/sw00301
² https://www.darkhorse.com/Books/16-556/Star-Wars-The-Thrawn-Trilogy-HC
Woah, quanto material sendo lançado e sendo jogado fora! Por um lado, é bom ver que o canon está recebendo tratamento à altura de sua importância pop. Por outro, é uma pena ver que essa organizada na casa do UE teve contornos de uma Ordem 66. Curti muito a trinca "Sombras do Império" e "Império do Mal" I & II.
Quase certeza que vou embarcar nessa "Rebels". Essas "fêmeas togrutas" costumam roubar a cena. Saudades da Shaak Ti...
Excelente post-guia de leitura.
Dogg, só uma dica, se tiver paciência para fazê-lo, antes de adentrar em Rebels, caso não tenha visto ainda, assista Clone Wars. O ano um não empolga ninguém, é verdade, mas do ano dois para frente, a série se torna imperdível para os fãs de SW.
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