terça-feira, 9 de junho de 2015

Monstruoso!

“...a criatura é maior que um homem, possui as dimensões totalmente inumanas. Ela poderia ser facilmente confundida com um urso caminhando em pé... se esse urso fosse feito de plantas, matéria vegetal em decomposição e terror. Terror imenso que ganha contornos de insanidade ao reparar que os olhos da monstruosidade esboçam não só uma inteligência superior, mas uma certa dose de compaixão, baseada na ciência que basta um balançar de seus ombros para a espécie humana ser aniquilada e a Terra voltar para o domínio Verde.”



Exagerei? Acho que não. Desde a passagem de Alan Moore pelo Monstro do Pântano, o personagem obscuro da DC Entertainment ganhou dimensões poderosas, um representante das forças da natureza, capaz de fazer frente a deuses e monstros. Por isso mesmo, perdoe o trocadilho, escrever uma história do Monstro do Pântano depois da fase do Mago de Northampton é um “terreno pantanoso”. A fase do Alan Moore não definiu só um obscuro personagem de segundo escalão,  mas foi também um dos alicerces do selo Vertigo, o playground adulto da DC.

Mesmo assim, a editora DC encarou o desafio e incluiu o Monstro do Pântano em um de seus título dos Novos 52,  passando a responsabilidade do primeiro arco para Scott Snyder, nome em ascensão na DC.

O autor respeitou o terreno sagrado e começou o run sem fugir muito dos conceitos criados por Alan Moore. Alec Holland, o alter ego do Monstro, é o humano escolhido pelo Verde para ser o Campeão do reino Vegetal (um conceito muito parecido com o Elemental da Terra concebido por Moore) para defender o planeta das influências de Sethe – ou Podre, o reino da entropia. Outra novidade é que Abigail Cabe, o eterno par romântico do Monstro do Pântano está bastante envolvida com as forças da Podridão, deixando todo o desenvolvimento romântico com leve toque shakespeariano. 

Não, não é um texto do Bardo. Nem mesmo é um texto do bardo... de Northampton. Mas estabeleceu toda a força cinética que impulsionaria as 40 edições da série, mais três anuais e edições especiais.


Scott Snyder conduziu com competência as 20 primeiras edições, restabelecendo o Parlamento das Árvores nos pântanos da Lousiana, criando um freio conceitual para a onipotência do Monstro do Pântano ao manter uma parcela humana dentro da carcaça vegetal. Snyder reforçou também a persona de Anton Arcane como o nêmeses do Campeão do Verde e praticou um fan service branco num crossover com o Homem-Animal.

Nada muito fantástico, mas coerente e acima da média dos  títulos dos Novos 52. Com a saída de Snyder, quem assumiu os roteiros foi Charles Soule... mas quem é Charles Soule?

Soule é um profissional da nova geração e já trabalhou para outras editoras, como Image e Marvel (onde atualmente dirige o título dos Inumanos). Um daqueles nomes que bate o cartão e cumpre as oito horas de trabalho sem grandes destaques. Em outras palavras, um B-Side, assim como o Monstro do Pântano.

Porém, esse escritor pouco conhecido fez uma parceria mágica com Jesús Saiz  e não hesito em dizer que essas 20 edições finais do Monstro do Pântano são melhores dos que a fase inicial do Snyder. O arco não deixa nada a desejar também em relação a consagrada fase do Moore.

Arrisco dizer que em alguns momentos, o tom mais leve e sem nuances da trama de Charles Soule lembram um blockbuster de verão e são um contra ponto excelente para o Monstro do Pântano ecologicamente correto do Alan Moore. Pode haver perda de nuances e profundidade, mas em contra partida o Monstro do Pântano voa com asas de bananeira, o que é um acréscimo a ser considerado.


O arco lembra muito também os esboços que um jovem autor inglês encaminhou para a editora DC antes de assumir Sandman e se tornar uma das figuras mais importantes da indústria do entretenimento. Ao escrever Orquídea Negra, Neil Gaiman desejava criar uma saga ecológica reestruturando toda a mitologia vegetal  UDC, algo bastante parecido com o segundo desenvolvimento que Charles Soule deu para os Reinos de Poder. Essa estrutura criada por Gaiman é descrita em Passeando com o Rei dos Sonhos (lançado aqui pela HQM Editora) e vale a pena correr atrás.

Nessa nova etapa do título, o Monstro do Pântano entra em conflito direto com o próprio Parlamento das Árvores, formado por antigos Avatares do Verde que perderam seu poder no mundo real, mas ainda sustentam enorme poder político. Uma dessa manobras envolve um antigo personagem do Monstro do Pântano. Jason Woodrue (a.k.a. Homem Florônico) é testado como um potencial substituto para a função de Avatar do Verde. Lady Ervas, uma antiga versão do Monstro do Pântano, volta ao mundo real e desejosa por retomar seu pode antigo.


Novos Reinos e Avatares aparecem, como o Reino do Fungo e o jovem Reino das Máquinas. Mas são os novos coadjuvantes que conduzem muito bem a história, personagens cativantes interessantes que agitam a trama.

E a arte? A arte de Jesús Saiz é salvadora, amém! Um traço mais conservador, contido, mas com personalidade. As fisionomias são diferenciáveis e a criatividade do texto de Soule permite ao artista criar variações fantásticas do Monstro do Pântano. 


Todo esses elogios rasgados são justificáveis. O Monstro sobreviveu à poda do universo Vertigo e não fez um papel feio ao ser enxertado do Universo DC pós reboot, interagindo muito bem não só com o lado sobrenatural mas também com medalhões como Superman ou Aquaman.

Todas essas pontas e subtramas são fechadas de maneira elegante no arco final, deixando a impressão que a série terminou um pouquinho cedo demais. Mas isso só reflete que essa foi uma ótima fase do Monstro do Pântano e que talvez tenha sido subestimado por grande parte dos leitores. Um dos poucos títulos atuais da DC Comics que é possível recomendar sem medo.


...

Vladimir Putin indicaria: O cafezinho no final daquela refeição. Uma dica saideira. No caso do Monstro do Pântano, recomendo ficar de olho na republicação da fase sagrada de Alan Moore (lançado aqui pela Panini). Deve estar no quarto volume, quando o mago de Northampton faz sua versão antediluviana da Crise nas Infinitas Terras. Para ler chorando.

Só para os REALMENTE fortes: Garimpe (com cuidado) o live action The Return od Swamp Thing (1989) um clássico trash com a presença magnânima de Heather Locklear encarnando uma Abby Arcane de primeira grandeza. 


8 comentários:

Marlo de Sousa disse...

Primeiro, minhas boas-vindas, que faltaram no seu texto de estreia, Escapista #4!

Cheguei a ganhar as três ou quatro primeiras edições de Dark, mas foi faltando oportunidade pra ler e sobrando pedido de "doação compulsória". Acabei cedendo e perdi a chance de ser iniciado na visão de Snyder pro Monstro. Diante de seu entusiasmo, porém, que alternativa tenho? Partiu scans! Não tenho referências (ou, pelo menos, memórias) do trabalho de Soule, mas se Jesús Saiz é o escudeiro, eu vou de olhos fechados. Só tenho boas lembranças (Projeto OMAC, Xeque-Mate) do trabalho dele.

Abraço!

Super disse...

Fiquei fulo quando Charles Soule assinou contrato de exclusividade com a Marvel. Ele conseguiu o que parecia impossível: expandir uma mitologia sem recorrer a retcons ou mudanças de status quo sem sentido. Eu queria, e muito, que ele assumisse o comando do Superman, mais até que o Mark Waid.

blogzine disse...

Marlo, agradeço a recepção. Acho que a fase do Soule/Saiz está saindo por aqui em encadernados. Mas vale ler todo o run, ele é bem coeso.

Super, o fato do Chales Soule assumir Inumanos na Casa das Ideias demonstra a confiança que o pessoal da Marvel está depositando no autor. Inumanos são os X-Men atuais do MCU.

Mas gostaria que ele continuasse escrevendo o Monstro.

doggma disse...

Às vezes precisa vir alguém pra nos dar um pedala-Robinho e nos abrir os olhos. Sempre curti bastante o personagem, mesmo nos períodos de "baixa", como nas fases pós-Tefé Holland e a pré-Novos 52 com estrutura de horror clássico - vide a mini "Amor em Vão", publicada pela Pixel, com a persona do Monstro bem descaracterizada. Mas minha rejeição aos Novos 52 não me deixou sequer conferir o que arrumaram com o Alec. Belo texto e obrigado pela indicação.

E vamos aos scans!

Ps: a Lady Weeds aí poderia arrumar uma vaga na enfermaria de Silent Hill, hm?

lendo à bessa disse...

Cometi o mesmo erro do Marlo: comprei os primeiros números de Dark e perdi o interesse, perdendo também essa fase do Monstro e o Homem-Animal do Lemire.
Algum de vocês já leu o Monstro do Millar e o Buddy Baker do Delano?

diogonautico disse...

Ôba, mais um blog nerd. Valeu Marlão, dica sua. Monstro do Pântano fase Moore é show de bola, já nos Novos 52 ainda ñ li. Quem sabe eu ñ compre?

blogzine disse...

A fase do Homem-Animal/Delano é boazinha, não acho grande coisa. Estilo "Vertigo sem freio" da fase adolescente do selo (meio rebeldezinho). O Monstro do Millar é um apadrinhamento do Grant Morrison, que assumiu uma função quase de editor. Esse é o começo do rompimento dos dois escritores escoceses, salvo engano o Careca comenta sobre isso em Supergods.

Luiz Gustavo de Sá disse...

Só li um quadrinho roteirizado pelo Charles Soule e, devo dizer, tive uma ótima impressão sobre suas linhas: falo de "A Morte de Wolverine", com arte Steve McNiven. Se ainda não leu, vá de boa, e nem se dê ao trabalho de ler os arcos anteriores de Paul Cornell. Ainda sobre a ascensão de Soule, viu que ele ficará a cargo de Star Wars: Lando, com Alex Maleev? Parece promissor!

Sobre o Monstro N52, me junto ao coro de subestimadores que inflamaram essa caixinha de comentários. Nesse ínterim já carreguei meu tablet com essas belezinhas.

Quanto ao Jesus, certo dia disse isso lá no P.E.M: "Jesus Saiz tem um traço elegante, bem aprazível aos olhos míopes desse velho leitor. É daqueles artistas que se espera que algum dia consiga uma colaboração que faça justiça a seu lápis, do mesmo modo como foi para Eduardo Risso com Brian Azzarello ou Tim Sale com Jeph Loeb. Para que uma parceria dessas surja e fique estampada no córtex alheio, são necessários a cominação de muitos fatores, mas o elemento sorte, indubitavelmente, me parece despontar na dianteira."

Talvez tenha chegado esse dia.

No que diz respeito a premissa do(s) Monstro(s), confesso que tive alguns comichões ao relembrar o Motoqueiro Fantasma de Jason Aaron¹:

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No mais, só reiterando: maravilha de texto!

¹ IMHO, o melhor trabalho dele na Marvel.